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Visualizar o Inimaginável: hiperobjetos e visualização de dados no Antropoceno

Dissertação de Mestrado de Rodolfo Almeida, escrita entre julho de 2021 e novembro de 2023, com orientação da Dra. Doris Kosminsky (LabVis/UFRJ) dentro do Programa de Pós-Graduação em Design (PPGD) da Escola de Belas Artes (EBA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Versão PDF

Sumário

Resumo

Essa pesquisa analisa as estratégias de representação visual da emergência climática na visualização de dados. A extensão e impacto da ação humana sobre o planeta são os pontos centrais do conceito de Antropoceno – definido como a época histórica em que seres humanos são alçados à condição de agentes geológicos que alteram drástica e irreversivelmente a paisagem e organização da vida na Terra. A enorme complexidade e abrangência de fenômenos contemporâneos como a crise climática desafiam as capacidades da visualização de dados e da comunicação científica, demandando formas de representação condizentes com a escala do problema. À luz do conceito de “hiperobjeto” postulado por Timothy Morton (fenômenos maciços em escala e diluídos em tempo e espaço) o projeto tem como objeto principal as visualizações de dados ambientais elaboradas no âmbito do jornalismo visual e da comunicação ao público não especialista, se valendo da análise de projetos de design e da revisão sistemática de literatura acerca dessas representações. Empregando a abordagem de Research Through Design, o projeto propõe o desenvolvimento iterativo de visualizações de dados que comuniquem a problemática de representação do fenômeno, contribuindo com a formulação de um arcabouço de análise de visualizações, com protótipos de visualizações e, por fim, com a construção de um imaginário visual sobre o tema.

Palavras-chave:

Visualização de dados

Design de informação

Antropoceno

Emergência climática

Hiperobjetos

1. Introdução

Ao longo do ano de 2020, quando do início desta pesquisa, a bruta realidade da pandemia de Covid-19 nos obrigava diariamente a encarar as múltiplas disputas que travamos no cotidiano acerca da natureza da realidade e da nossa capacidade de imaginá-la. Todo fim de tarde, com a divulgação das aterradoras contagens de mortos do dia, nos obrigávamos a olhar ao redor e refletir sobre o quanto dessa morte está presente e visível em nossa realidade. Como empreender e persistir na banalidade da vida diante da monumentalidade da história? Como construir a vida local enquanto a morte global respira em nossas nucas?

Pesquisadores que já vêm se debruçando sobre as origens de pandemias como a de coronavírus nos alertam: a crise mais recente é apenas o prenúncio das que virão, carregada em grande parte pela sistemática adoção de práticas ambientais e agropecuárias nocivas aos ecossistemas (Wallace, 2016). Se nos debatemos para imaginar e combater um vírus invisível que provocou a antes inimaginável morte de milhões de pessoas em todo o mundo em um curto espaço de tempo, como daremos conta de nos reorganizar frente à crise maior na qual a pandemia está inserida: a crise climática?

O presente trabalho pretende, à luz do arcabouço teórico formado pelas ideias de filósofos, antropólogos e teóricos do design de informação, compreender como a visualização de dados, enquanto disciplina do design ocupada da representação de dados complexos, representa fenômenos de larga escala temporal e espacial como a crise climática.

Para isso, recorremos à abordagem do Research Through Design (RtD), segundo a qual um projeto de design é utilizado como o fio condutor e norte de uma pesquisa (Frankel & Racine, 2010). A partir da documentação das etapas projetuais, de sketches parciais e de protótipos de visualização, pretendemos destrinchar e registrar reflexões teóricas e pragmáticas sobre a prática do design e suas relações com autores da literatura sobre a crise climática.

No nosso caso, realizaremos adiante neste trabalho três ciclos projetuais iterativos em que desenvolvemos provas de conceito de visualizações de dados climáticos na web que dialogam com o conceito de “hiperobjeto” de Morton (2013) e cumpram uma tríade de requisitos levantados na literatura. O primeiro destes ciclos está registrado em artigo publicado no âmbito desta pesquisa (Almeida & Kosminsky, 2023).

Ainda sob a abordagem do Research Through Design, fazemos também uso de métodos específicos como a Revisão Bibliográfica Sistemática (RBS, utilizada para constatar o estado da arte da pesquisa em visualização de dados climáticos na web) e a análise e classificação de projetos de visualização de dados (utilizada como um levantamento das técnicas e formas de visualização empregadas em projetos que lidam com nossa temática de interesse). Neste último ponto, pretendemos trazer, ainda, uma contribuição metodológica ao adaptar os requisitos de Morton (2013) para a formação de um protocolo de análise de visualizações de dados – trabalho descrito em detalhes também em artigo publicado no âmbito desta pesquisa (Almeida & Kosminsky, 2021).

Não pretendemos neste trabalho revisar o todo do consenso científico ao redor da ciência climática, já amplamente estabelecido na literatura (IPCC, 2022), ou da visualização de dados como disciplina dentro do design de informação. Mas, sim, analisar a interface entre ambas as áreas para a comunicação da crise climática voltada ao público geral à luz de autores que pensam o antropoceno dentro das humanidades. Assim, retomaremos conceitos importantes tanto da ciência climática, como emissões de dióxido de carbono (CO₂) e eventos extremos quanto da visualização de dados, como codificações visuais e incerteza, quando relevante para o objetivo deste trabalho, considerando a perspectiva e a compreensão do público geral, leitor de visualizações.

Pretendemos contribuir para ambos os campos do design de informação e da visualização climática ao oferecer um panorama de discussões sobre as estratégias de representação visual em ambos os campos atravessadas pelas contribuições de autores da antropologia e filosofia que pensam o antropoceno e o cenário climático contemporâneo, bem como caminhos metodológicos para a adaptação das ideias de Morton para o campo da visualização de dados.

O desenvolvimento documentado de protótipos de visualização contribui também para o campo da visualização de dados ao fornecer diferentes abordagens possíveis para o problema da representação climática – ciente de que nenhuma delas é, por definição, capaz de esgotar a temática. Elas proporcionam, assim, pistas ou caminhos abertos para que outros pesquisadores, designers e praticantes de visualização de dados ampliem o escopo das soluções apresentadas.

Esta dissertação está organizada em cinco capítulos, acrescido de uma conclusão, referências e apêndices. Este primeiro capítulo introdutório apresenta o trabalho a ser conduzido e algumas de suas contribuições esperadas. O segundo capítulo (“Fundamentos e Metodologia”) apresenta conceitos fundamentais para o trabalho e discorre detalhadamente sobre a composição dos métodos aqui empregados, com um subcapítulo dedicado a cada um deles. O terceiro e quarto capítulos (“Fazendo o Antropoceno” e “Visualização de dados sem amarras”) são fruto da Revisão Bibliográfica Sistemática e estabelecem, respectivamente, as bases teóricas da ciência climática sobre o Antropoceno e os hiperobjetos, e as bases teóricas da visualização de dados como disciplina do design apta a comunicar problemáticas sensíveis. O quinto capítulo (“Projeto: ciclos de design #1, #2 e #3”) contém os registros e documentação do design da prova de conceito que norteia este trabalho – cada subcapítulo é dedicado à documentação de um dos três ciclos iterativos de design. Por fim, o sexto capítulo conclui a dissertação com reflexões sobre as contribuições do trabalho, suas limitações e caminhos futuros de pesquisa.

A seguir, apresentamos alguns conceitos fundamentais para a compreensão da pesquisa e os métodos empregados por ela.

2. Fundamentos e Metodologia

A presente pesquisa se desenvolve por uma composição de métodos que, juntos, pretendem alcançar os seguintes objetivos:

Por compreender a crise climática como um problema capcioso (“wicked problem”; Rittel, 1973) por excelência – ou seja, um problema complexo para o qual não há nenhuma única solução definitiva, mas sim um mosaico de abordagens possíveis e complementares – entendemos que o design, enquanto disciplina de interface entre outros campos do conhecimento, pode ser útil para somar às tentativas de endereçar novas perspectivas para a crise.

Entendemos, também, que não há percursos metodológicos consolidados para lidar com as problemáticas incipientes da representação da crise climática. Propomos aqui, portanto, formar relações entre áreas tão díspares quanto o design de informação, a antropologia e a ciência do clima, e situar o debate acerca do antropoceno dentro do design de informação e da visualização.

Antes de detalharmos a metodologia aqui empregada, convém esclarecer por partes o que se entende pelo enunciado que dá título a esse trabalho: “Visualizar o inimaginável: hiperobjetos e visualização de dados no Antropoceno”.

Certos vocábulos, frases ou ideias, são simples e praticamente automáticos de se visualizar mentalmente. Ao ler a palavra “cadeira” fora de qualquer contexto frasal, é quase imediata a formação de uma imagem mental ou algo próximo de uma representação visual de uma certa cadeira imaginada (para aqueles que são capazes de ler e compreender). Outras ideias são menos simples. A expressão “crise climática” pode trazer à tona uma multiplicidade de representações – ou nenhuma: a imagem do planeta visto de fora; o calor; os ciclones; a densa camada de poluição que encobre as grandes cidades; os incêndios florestais. Todas essas são representações desse fenômeno. Mas, elas estão para a crise climática como as imagens das covas abertas estão para a Covid-19: retratam apenas parcialmente um fenômeno complexo e de dimensões descomunais.

Esse tipo de fenômeno, seguindo adiante no nosso enunciado, é descrito pelo filósofo e ecologista Timothy Morton como hiperobjeto: um termo guarda-chuva que compreende uma gama de objetos e ideias que se pode estudar, refletir e aferir, mas que não são simples de se visualizar diretamente por conta de sua escala (Morton, 2013). Por exemplo, não apenas um copo de isopor, mas todo o isopor presente no mundo: espalhado pelo planeta, o material levaria cerca de 500 anos para se decompor, sobrevivendo à toda a população mundial viva hoje. Não um grão de plutônio em estado sólido, mas todo o plutônio existente no planeta em todos seus estados: localizado em diversas partes do globo, esse material produzido por humanos vai levar cerca de 24 mil anos até sua decomposição, uma extensão temporal já completamente inimaginável para nós. Ou, ainda, a crise climática: localizada em virtualmente toda a atmosfera terrestre e além, se estende por um período de tempo incomensurável – os efeitos da ação humana na terra provocam mudanças irreversíveis em ecossistemas e indicam uma mudança profunda da paisagem e ecologia do planeta para o futuro (Steffen et al, 2015). As características que definem os hiperobjetos e sua pertinência no contexto da visualização de dados serão analisadas em maior profundidade adiante no subcapítulo 2.2.

Avançando brevemente ao fim do enunciado, a mudança causada pela ação humana sobre o planeta é profunda a tal ponto que está no cerne de um conceito das geociências que cada vez mais vem sendo objeto de estudo também das humanidades: o antropoceno. Delineado e popularizado por Crutzen (2000), o termo descreve um novo período geológico proposto para substituir o atual holoceno e que compreende um período na história da Terra em que o impacto da ação humana sobre o globo passa a assumir proporções geológicas.

Ainda que exista um consenso crescente ao redor da adoção do termo, ele segue em disputa, e tem entre seus principais possíveis marcadores estratigráficos (os eventos que marcam o início do período) um fenômeno chamado de a grande aceleração: um termo que abarca a evolução exponencial de toda sorte de indicadores (de emissões de CO₂ e microplásticos a temperatura e acidificação dos oceanos) que se deu a partir da metade do século XX (Steffen et al, 2015). O termo antropoceno é, ainda, como veremos adiante, contestado pela sua generalização dos modos de vida humanos dentro de um único antropos que compõe a palavra, ignorando organizações sociais que historicamente levam modos de vida e ecologias diversas (Haraway, 2016).

Esse impacto a nível geológico, à luz do conceito de hiperobjeto, é também diluído em espaço e tempo: são provocadas mudanças duradouras de tal forma que a espécie humana sequer estaria presente para experienciar parte delas. Hiperobjetos são, assim, incapturáveis não apenas na realidade material, mas em nosso espaço cognitivo. Desafiam nossa própria capacidade de imaginar e visualizar aquilo que é quase onipresente e que, portanto, também parece estar em lugar nenhum. São, também, um conceito útil para nos ajudar a dar nome a uma miríade de fenômenos que experienciamos parcialmente, mas que permanecem no campo do inapreensível, ainda que sejam aferíveis e comprováveis pelos métodos científicos. E aqui está a ironia dessa classe de objetos: muitos deles, como a crise climática, nos fornecem uma extensa quantidade de dados que dão conta de claras tendências de aceleração e aquecimento de indicadores do sistema Terra, mas que no fim das contas, ainda parecem turvas de se visualizar e imaginar.

Como, então, finalizando nosso enunciado, visualizamos esses dados? Se eles são a melhor medida de um fenômeno inapreensível, que forma estamos dando atualmente àquilo que não tem forma? Como disciplina do design, a visualização de dados tem por matéria-prima, logicamente, os dados: indicadores ou métricas fruto de toda sorte de métodos de coleta e inferência. A visualização é, ainda, um campo fértil para representar fenômenos complexos – sobretudo em suportes digitais, onde a capacidade de interação ou diferentes modos de navegação e leitura possibilitam a construção de camadas de informação. Suas potencialidades serão analisadas em profundidade adiante no capítulo 3. Centenas de milhares de observações em um conjunto de dados podem, assim, ser representadas de maneira sintética como uma única forma ou, ainda, de maneira complexa e granular, permitindo toda sorte de conclusões, moldáveis ao público-alvo a que se pretende. (Silva, W.R.C, 2019).

Não há, por natureza, uma única forma correta de se visualizar esse tipo de fenômeno. A crise climática é um problema capcioso (Rittel; Weber; 1973) por excelência: um problema por demais abrangente e complexo que não tem uma única solução definitiva, mas sim múltiplas possíveis soluções, analisáveis pela sua adequação dadas as circunstâncias.

Com uma ampla gama de estratégias de representação – das mais abstratas às mais figurativas, das mais explicativas às mais exploratórias – a visualização parece ser, assim, um dos principais recursos a que se recorre na representação de fenômenos climáticos, com gráficos estatísticos notórios que extrapolam as discussões dentro da área e passam a fazer parte da nossa cultura popular. Assim como o gráfico de “achatar a curva” está para Covid-19, o gráfico das “listras do clima” (as notórias climate stripes) ou o popular gráfico de “taco de hóquei”[1], podem estar para o clima: são metáforas visuais que nos auxiliam a formar uma imagem mental, ainda que abstrata, de um fenômeno real, aferível, global e, para todos os efeitos, inapreensível.

[1]: Popular gráfico de linha visualizando dados de variação da temperatura média global nas últimas centenas ou milhares de anos. O aumento repentino na temperatura dá ao gráfico a forma de um “taco de hóquei”, pela qual é conhecido. <https://www.theatlantic.com/technology/archive/2013/05/the-hockey-stick-the-most-controversial-chart-in-science-explained/275753/>.

Didi-Huberman (2013, p.186) nota que, em francês, voir (ver) tem sonoridade e grafia próximas a savoir (saber), partindo daí uma reflexão sobre a proximidade do ato de perceber ao de conhecer – e indo além, ao de agir. Se é verdade que ver e saber têm uma raiz comum, compreender as estratégias adotadas na visualização desse tipo de fenômeno pode nos ajudar a entender se os esforços de representação que estamos empreendendo parecem ser suficientes para dar conta da dimensão e urgência do problema, possibilitando que vejamos e saibamos onde nos posicionamos, bem como sugerindo caminhos para a formulação de novas estratégias, como pretendemos aqui na forma de uma visualização em suportes digitais.

Com isso, elaboramos a seguir sobre os métodos empregados na condução deste trabalho.

2.1. Revisão Bibliográfica Sistemática (RBS)

Para estabelecer a base inicial de consenso acerca do estado da arte da visualização climática e do Antropoceno, fazemos uso aqui de uma revisão bibliográfica sistemática (RBS), realizada a partir dos preceitos delineados por Aguinaldo Santos (2018, p. 43). Busca-se, assim, compreender a problemática do Antropoceno, seus principais autores e teóricos no campo das geociências e em áreas como a antropologia e ecologia, bem como responder quais os métodos utilizados pela visualização de dados nos campos do design e das artes para representar a problemática do Antropoceno.

O levantamento foi realizado a partir dos mecanismos de busca dos seguintes acervos acadêmicos que, em nosso entendimento, cobrem porção significativa da produção bibliográfica em português e inglês dessa temática (a busca em inglês é especialmente importante considerando que muitos projetos de visualização de dados são desenvolvidos nessa língua):

As buscas foram realizadas a partir dos seguintes termos de busca, aplicados ao título, resumo e palavras-chave dos trabalhos e elaborados de forma a restringir o escopo da revisão aos projetos que tratassem da interface entre os conceitos de antropoceno ou mudança climática com a área da visualização de dados:

("Visualização de dados" OR "Data visualization") AND (("Antropoceno" OR "Anthropocene") OR ("Mudança Climática" OR "Climate change"))

Como critério de seleção, foram considerados trabalhos em idioma português e inglês, acessíveis para leitura digital gratuita (ou via acesso a periódicos CAPES) via web e que dizem respeito à visualização de dados ou design gráfico e mudanças climáticas. Trabalhos que não tivessem menção a visualização de dados, dataviz ou dados, ou que não dialogassem com o campo do design e com a problemática da mudança climática não foram considerados.

Os trabalhos selecionados quando da aplicação da string ao título, resumo e palavras-chaves, passaram, então, para um segundo filtro, em que foram lidos e analisados por sua pertinência também na introdução e conclusão. Por fim, aqueles selecionados dentro do segundo filtro passaram a um terceiro e último filtro, em que foi realizada a leitura completa do texto.

Realizadas as buscas, os artigos foram catalogados e qualificados. Deles, foram coletadas também as seguintes informações: base de origem; ano; título; autores; instituição; tipo de publicação; periódico; país; palavras-chave; e resumo. A esses foram acrescidos os seguintes campos: status de seleção; filtro impeditivo (se houver) e motivo de rejeição (se houver).

Tabela 1 - Resultados da RBS

Base de buscaPublicações encontradasPublicações analisadasSeleção preliminarSeleção final
Periódicos CAPES982031
BDTD167821
Google Scholar200843830

Os trabalhos selecionados foram então agrupados em três eixos temáticos de acordo com o tipo de problema que endereçam e sua contribuição ao presente trabalho:

O grupo “estratégias de comunicação” reúne trabalhos que buscam responder questões relativas à transmissão de informação e conhecimento acerca do antropoceno e das mudanças climáticas, delineando possíveis estratégias para comunicar o problema.

Revisões de literatura como “Barreiras na comunicação e alternativas para auxiliar a compreensão sobre as mudanças climáticas” (Guarenghi et al, 2018) se enquadram nesse grupo por fornecer insumos para a compreensão dos fatores que limitam a comunicação eficaz da problemática ambiental (como a complexidade do tema, polarização ideológica, a lacuna entre conscientização e ação, entre outros).

Os trabalhos incluídos aqui pretendem tanto realizar diagnósticos acerca dos obstáculos, quanto propor alternativas e sugerir ferramentas e recursos a serem explorados na comunicação ambiental – incluindo visualizações de dados, figuras e outros recursos visuais.

O grupo “estratégias de representação” reúne trabalhos que investigam e buscam responder questões relativas a imagens, vídeos, instalações ou outros artefatos visuais que tenham por finalidade representar aspectos da problemática do antropoceno em seus respectivos suportes midiáticos.

Inclui-se neste grupo trabalhos que revisem e analisem como a problemática é tratada em outros suportes – como a arte contemporânea na dissertação “Vestígios do Antropoceno: Os Fenómenos da Domesticação e Extinção da Natureza na Arte Contemporânea”, de Costa (2020), ou o design no artigo “Vivendo  no  Antropoceno:  o  Design  e  a  Arte  lidando  com  os modos de uma Época Impossível”, de Meyer (2020).

Alguns dos trabalhos incluídos aqui não se restringem ao diagnóstico e à análise de seus respectivos suportes de representação, mas propõem ideias e caminhos para representações futuras, ou também contemplam a produção de artefatos próprios em resposta às questões que discutem, como é o caso de Sousa (2019).

Por fim, o grupo “estratégias de imaginação” reúne trabalhos que buscam responder questões relativas ao papel do design e das representações diante de conceitos complexos, multifacetados e de difícil imaginação e visualização como as mudanças climáticas. Os trabalhos incluídos aqui com frequência se dedicam à especulação e imaginação de novos conjuntos de práticas de produção de design e de artefatos que sugiram formas mais compreensivas e sustentáveis de tratar desses problemas.

Trabalhos como “Design no Multitudoceno: seguir as linhas, seguir as lutas”, de Szaniecki (2018) oferecem panoramas do diálogo entre o campo do design e o pensamento de teóricos da crise climática da antropologia e sociologia, como Ingold, Latour, Tsing, Haraway e outros, sugerindo relações e interseções conceituais a serem exploradas.

Os trabalhos desse grupo contribuem ao abrir as perspectivas do que o campo do design é capaz de fazer, seu papel dentro de seus muitos contextos e de como ideias de campos correlatos podem contribuir para os processos de produção do design. Os resultados da revisão bibliográfica estão disponíveis em base de dados online [2].

Feita a classificação de trabalhos dentro dos três eixos, temos a seguinte distribuição:

Eixo temáticoQuantidade de trabalhos
Estratégias de comunicação10
Estratégias de representação6
Estratégias de imaginação16

2.2. Research Through Design (RtD)

Subscrevemos aqui, ao paradigma de pesquisa Research Through Design (RtD; pesquisa pelo design em tradução livre), como sugerido por Frankel & Racine (2010) e amparado por Godin & Zahedi (2014), objetivando a construção de conhecimento e a elaboração de reflexões por meio do entrelaçamento entre a pesquisa teórica e a prática em projetos de design. O desenvolvimento de artefatos de design, neste paradigma, é tido menos como uma solução final a um problema, e mais como um veículo para a produção de reflexões e formação de conhecimento, servindo em maior ou menor medida a ambas as facetas prática ou teórica do design.

Adotamos o paradigma de RtD de maneira iterativa, ou seja, repetindo ciclos de design, compostos de produção teórica e prática, que são registrados por diários de pesquisa, rascunhos e experimentos. Tal abordagem é considerada também por Godin & Zahedi (2014), que expandem nossa compreensão sobre a metodologia. Dessa forma, estabelecemos um conjunto fixo de etapas de produção e pesquisa que são repetidas a partir de novas entradas no ciclo, coletados ao fim de cada ciclo de design, acumulando conhecimento a cada iteração. Tal metodologia advém de adaptação dos preceitos iterativos de Zimmerman (2003). Assim, podemos reformular constantemente o problema e abordá-lo por novas perspectivas, embasadas em novos referenciais teóricos elencados na literatura e descobertos ao longo do processo.

Figura 1: diagrama de etapas de pesquisa e produção empregadas neste trabalho. Fonte: elaborado pelo autor em adaptação de Zimmerman, 2003.

Compreendemos que o RtD, enquanto abordagem recente, não possui um único percurso metodológico a seguir, mas sim diversas perspectivas de aplicação bem exploradas na literatura. O que é ponto pacífico, bem abordado por Godin & Zahedi (2014), é a importância do registro das etapas de design e das reflexões teóricas e projetuais suscitadas ao longo da pesquisa. Este registro visa formar um corpo documental que pode ser analisado pelo próprio designer (bem como, posteriormente, por terceiros) e servir de insumo para a formulação de novas iniciativas de pesquisa ou projetuais, mantendo prática e teoria em constante diálogo e movimento. Complementarmente, a escolha pelo uso de softwares livres e a disponibilização dos códigos de programação utilizados durante o processo providencia também maior transparência às decisões no processo de design. Nesta pesquisa, todos os conjuntos de dados utilizados, projetos classificados, códigos e rascunhos realizados pelo autor se encontram disponibilizados em repositório online para análise e discussão.

2.3. Coleta e análise de projetos de design

Como ponto de partida e para constatar quais os métodos de representação empregados para visualizar dados climáticos, realizamos inicialmente a análise de projetos de design de informação e visualização de dados que abordam a problemática da crise climática e do antropoceno.

2.3.1. Coleta

O corpo de projetos analisados é formado por projetos disponíveis na web que utilizam o termo ou possuem a tag “climate” (do inglês, “clima”) publicadas no repositório de visualizações de dados Flowing Data, mantido por Nathan Yau. Voltado ao público geral e composto de publicações de veículos jornalísticos, instituições não governamentais e praticantes de visualização de dados, o portal fornece um panorama do estado da arte da visualização de dados na web dos últimos anos de forma acessível e gratuita. Foram considerados apenas os projetos que pudessem ser acessados online.

Damos preferência, aqui, aos projetos disponibilizados gratuitamente com acesso livre via navegador web, voltados ao público geral (ou seja, não especialista em ciência climática) e embasados ou gerados por dados (“data-driven”), por entender que esses pretendem, de antemão, traduzir fenômenos complexos a uma linguagem comum, acessível sem pré-requisitos de formação.

A busca no repositório Flowing Data retornou 95 projetos contendo o termo “climate”. Desses, foram selecionados e analisados os 32 projetos disponíveis gratuitamente e que se mantinham em funcionamento online. As informações da ficha catalográfica foram coletadas em formato tabular, disponibilizado online [3] e servirão de insumo para os ciclos de design futuros.

2.3.2. Análise

Para realizar a análise desses projetos, formulamos um protocolo de análise a partir do conjunto de conhecimento obtido com a etapa de Revisão Bibliográfica Sistemática e à luz das ideias de pesquisadores da visualização de dados, do design, do clima e da antropologia.

Este protocolo (disponível na íntegra no apêndice 1) nos permite levantar informações a partir dos projetos e classificá-los de acordo com cinco eixos de análise:

  1. Dados: eixo em que são coletadas apenas informações sobre a natureza dos dados visualizados (se os dados dizem respeito ao meio ambiente ou à sociedade; e se os dados são fruto de coletas ou de modelos e projeções);
  2. Dimensões: eixo em que são coletadas informações sobre os referenciais e escalas geográficas representados no projeto (se os dados compreendem um período da ordem de dias, meses ou anos; se os dados têm abrangência geográfica de ordem global, nacional ou municipal; se o referencial temporal dos dados representados diz respeito a fenômenos passados, a dados atualizados diariamente, ou a projeções futuras; e, por fim, como o projeto é classificado em relação às características dos hiperobjetos);
  3. Visualização: eixo em que são coletadas informações sobre as soluções de visualização empregadas (por exemplo: quantas dimensões a visualização emprega; se seus objetivos são exploratórios ou explanatórios; se existe texto explicativo de apoio, entre outras);
  4. Interação: eixo em que são coletadas informações sobre a interatividade proporcionada ao leitor pelo projeto (por exemplo: se há a possibilidade de interação ou não; e se permite ao leitor inserir informações sobre si mesmo para alterar a visualização);
  5. Metadados: eixo em que são coletadas metainformações sobre o projeto (por exemplo: título; autores; instituição de publicação; data de publicação; URL, entre outros).

Para a classificação dos projetos em relação às características dos hiperobjetos, identificamos três dentre as cinco características levantadas por Morton (2013) e descritas em detalhes no capítulo 3.2 que – por tratarem de referenciais espaciais e temporais – podem ser identificadas nas visualizações de dados ambientais. São elas:

  1. Não-localidade: a visualização representa o objeto de maneira diluída ou concentrada em determinado tempo e espaço?
  1. Multidimensionalidade: a visualização representa o objeto somente naquilo que ele tem de perceptível a olho nu ou expõe outras camadas de percepção?
  1. Interobjetividade: a visualização representa o objeto interagindo com outros e com seu entorno, ou isoladamente?

Tendo coletado as informações dos 32 projetos analisados e aplicado a eles o protocolo de análise, temos o seguinte sumário de resultados da classificação, discutido em detalhes na seção seguinte:

Figura 2: resultado resumido da classificação de projetos.

Considerando as estruturas de visualização mais empregadas nos projetos classificados, temos o seguinte:

Figura 3: resultado da classificação de estruturas de visualização dos projetos.

A classificação de projetos trouxe à tona reflexões sobre as escolhas de design empregadas na visualização de dados climáticos. A partir desses achados, formulamos a seguir questionamentos e requisitos para um protótipo de visualização de dados climáticos.

Em termos de protagonistas das visualizações (informação que diz respeito a se as visualizações representam humanos ou não-humanos), a maior parte dos projetos se concentra apenas em uma das opções – visualizando, por exemplo, o ritmo de extinções de espécies ou a temperatura atmosférica isoladamente. Apenas cinco projetos conjugavam o impacto humano e não-humano – visualizando por exemplo dados de umidade em conjunto com níveis de reservas de água, ou visualizando métricas de impacto humano sobre o oceano, por exemplo.

Tabela 2 – Contagem de projetos por classificação de “protagonista”

ProtagonistaQuantidade de projetos
Não-humano14
Humano13
Ambos5

O debate acerca da compreensão não-humana do Antropoceno tem ganhado cada vez mais espaço dentre as humanidades como uma chave para perspectivas que mitiguem os efeitos das mudanças climáticas ao desviar o ser humano do centro da atenção na crise. A antropóloga Anna Tsing se refere ao conceito de “agregado multiespécies” como um tipo de interação interespecífica pouco lembrada na discussão sobre meio ambiente e biodiversidade, mas potencialmente importante para compreender a posição e responsabilidade humanas sobre o planeta.

O termo descreve, por exemplo, relações de simbiose e dependência entre espécies (como por exemplo a microbiota intestinal em mamíferos) que, segundo essa visão ecológica, formam uma terceira forma de vida maior do que suas partes e faz com que qualquer forma de vida embrenhada na rede de relações entre seres vivos seja, com efeito, indissociável e virtualmente indistinguível das outras ao seu redor. Toda forma de vida é, assim, um ‘algo mais’ de bactérias que brincaram com diversas formas de sobrevivência e se saíram bem como extensões simbióticas multicelulares” (Tsing, p. 92, 2019).

Daí emerge o primeiro questionamento a ser convertido em requisito: nesse contexto, como a visualização de dados poderia, então, dar conta dessa indissociação entre formas de vida humanas e não-humanas, ao representar a crise climática?

Em termos de referencial temporal, a maior parte dos projetos utiliza dados contendo aferições de acontecimentos passados, enquanto apenas três projetos dizem respeito apenas a dados futuros (frutos de modelos e projeções). Quatro projetos utilizam conjugam temporalidades distintas, visualizando dados passados, do momento presente (à data da publicação) e projeções futuras.

Tabela 3 – Contagem de projetos por classificação de “referencial temporal”

Referencial temporalQuantidade de projetos
Passado12
Presente6
Passado; Presente5
Passado; Presente; Futuro4
Futuro3
Presente; Futuro2

A previsão de cenários futuros é parte integral da compreensão da crise climática – não apenas ao nos permitir planejar medidas concretas a serem tomadas para limitar o grau de aquecimento da temperatura terrestre –, mas pelo próprio gesto de imaginar como os modos de vida atuais podem se estender pelo futuro. No Antropoceno, o consenso científico coloca em xeque a própria ideia de vislumbrar futuros para muitas populações.

O antropólogo Arjun Appadurai, ao se referir ao futuro como um “fato cultural” (2013), descreve o potencial do design como um mecanismo de criação de futuros. Em sua visão de design ecológico, todo artefato de design é, ao mesmo tempo, um objeto e um contexto para outros objetos – sejam eles naturais ou projetados. Um edifício projetado por um designer, por exemplo, é ao mesmo tempo um objeto em si e um contexto para o projeto de outros objetos (como a decoração dos ambientes, ou os papéis de parede, etc). Dessa forma, todo objeto se insere em uma cadeia de associações semelhante a passagem do tempo que engendra a produção dos objetos ao seu redor, de maneira expansiva.

Temos então nosso segundo questionamento a ser convertido em requisito: como a visualização de dados poderia, então, representar essa cadeia temporal de associações e contextos?

Em termos de escalas temporais, a maior parte dos projetos visualiza dados da ordem de anos e décadas. Apenas um projeto utiliza de visualizações em diferentes escalas (anos, décadas, séculos e milênios) com um panorama de escalas temporais distintas.

Tabela 4 – Contagem de projetos por classificação de “escala temporal”

Escala temporalQuantidade de projetos
Décadas12
Anos8
Séculos6
Séculos; Meses1
Séculos; Anos1
Milênios; Séculos; Décadas; Anos1
Horas1
Dias1
Anos; Dias1

Um dos aspectos desafiadores da ideia de Antropoceno e que está no centro dos debates da classificação dessa era é a noção de que o impacto dos comportamentos e modos de vida atuais não só são duradouros, mas podem se estender por escalas temporais inimagináveis, com efeitos muitas vezes irreversíveis sobre outras formas de vida que dividem o planeta.

A noção de “hiperobjeto” proposta pelo filósofo Timothy Morton toca precisamente nesse ponto ao descrever fenômenos e objetos cujas escalas temporais e espaciais são tão imensas, ou microscópicas, que desafiam a cognição humana. Uma das características principais desses objetos é o que Morton denomina multidimensionalidade, a capacidade de hiperobjetos de ocupar múltiplas dimensões temporais (se estendendo por décadas ou milhões de anos, como no caso da radiação nuclear, por exemplo) e espaciais (ocupando desde o espaço físico visível até o invisível, como no caso dos microplásticos).

Ser capaz de formar imagens mentais e, mais do que isso, tangibilizá-las em representações visuais é, segundo o autor, uma das formas mais prementes de dimensionar uma crise complexa para a esfera de ação humana.

Por fim, nosso terceiro questionamento a ser convertido em requisito: como a visualização de dados pode dar conta de representar escalas espaciais e temporais tão amplas e distintas?

Estes três questionamentos aqui destrinchados servirão de base para os três requisitos da prova de conceito de visualização de dados desenvolvida no âmbito desta pesquisa e descrita no capítulo 5. Eles são essenciais para fundamentar os experimentos práticos e guiá-los na mesma direção das problemáticas teóricas aqui discutidas, garantindo, assim, que ambas as facetas prática e teórica do trabalho estejam alinhadas e em constante diálogo.

Nos dois capítulos seguintes, partimos dos resultados da revisão bibliográfica sistemática para levantar o estado da arte e um histórico sucinto da discussão sobre o Antropoceno e a visualização de dados climáticos, apresentando também, conceitos importantes que serão retomados durante o processo de design.

3. Fazendo o Antropoceno

Para definirmos o Antropoceno e compreendermos seus efeitos sobre o imaginário coletivo, convém antes traçar um breve histórico sobre a noção de clima e de ciência climática. Este levantamento culmina na apresentação do conceito de hiperobjeto postulado por Morton e reflexões sobre sua pertinência no âmbito da visualização de dados. É o que realizamos a seguir.

3.1. A ciência climática e o Antropoceno

A ciência climática, bem como a própria noção de clima, é relativamente recente enquanto disciplina própria na história da ciência, com os primeiros modelos climáticos datados da década de 1960. Alguns de seus principais precursores se debruçaram sobre diversas áreas correlatas – como química, física e geologia –, tateando a noção do clima como um conjunto de condições e circunstâncias atmosféricas que definem e interagem com outras formas de vida na Terra. Levantamento histórico publicado pelo Center of Science Education da National Science Foundation (2022), nos permite traçar um panorama dos avanços na ciência climática.

Por cerca de dois séculos, a ciência climática teve evolução lenta, se comparada aos avanços das últimas décadas. O primeiro registro de CO₂ data de 1640, com a descoberta do que o alquimista Johann Baptista van Helmolt nomeou de “espírito da madeira”: o produto resultante da queima de madeira. O gás carbônico só poderia ser medido mais de cem anos depois, em 1754, a partir da descoberta do estudante Joseph Black de que a água de cal se torna turva em contato com o CO₂, levando à criação do Aparato Cavendish: o primeiro mecanismo capaz de medir a substância no ar.

Com a revolução industrial, iniciada em 1760, diversos indicadores ambientais e socioeconômicos engendraram um processo de aceleração, explorado em detalhes na seção seguinte. Dentre esses indicadores, as emissões de CO₂ na atmosfera alcançaram tamanho patamar que seus efeitos são discutidos e analisados até hoje. Foi só meio século depois do início da revolução, contudo, que os impactos ambientais da queima de carvão foram levantados. Em 1824, o matemático Jean-Baptiste-Joseph Fourier foi o primeiro a descrever a atmosfera como uma “estufa” capaz de reter calor. Essa ideia seria expandida pelos achados de Eunice Foote em 1856, constatando que certos gases, como o dióxido de CO₂, têm a capacidade de reter o calor dos raios solares, formando a estufa descrita por Fourier.

Apenas ao fim do século XIX descobertas de grande impacto aceleraram o ritmo de compreensão do clima. A ligação entre queima de carvão, emissões de CO₂ e aumento da temperatura só seria feita em 1896 pelo químico Svante Arrhenius, que reconheceu a possibilidade do aquecimento ser ligado à indústria e constatando que seus efeitos seriam “imprevisíveis”.

Já no século XX, em 1938, o engenheiro George Callendar compilou medições de CO₂ dos cem anos anteriores, atestando numericamente um aumento de temperatura – fenômeno considerado bem-vindo pelo autor. Na década de 1950, têm-se maior compreensão dos efeitos da ação industrial sobre o clima com a constatação da diminuição de cobertura polar no ártico e o célebre escrito do oceanógrafo Roger Revelle e o químico Hans Suesse de que “a humanidade está conduzindo um experimento de grande escala geofísica não intencional sem precedentes”. É dessa mesma década também o advento da “curva de Keeling”, uma linha ascendente demonstrando os resultados de medições diárias de concentração de CO₂ realizadas na área de Mauna Loa, no Havaí, por Charles Keeling. Essa representação é tida como um dos registros fundadores da ciência climática moderna e um marco na visualização de dados do clima.

Figura 4: Exemplo contemporâneo da curva de Keeling. Fonte: https://keelingcurve.ucsd.edu/

A partir da década de 1960, com a pesquisa de pioneiros como Syukuro Manabe e Richard Wetherald, passa-se a compreender o clima como um objeto de estudo altamente complexo, repleto de dinâmicas e interações próprias. Ele passa também a ser objeto de modelos: abstrações das redes de interações que formam o clima e que permitem a antecipação de fenômenos, bem como a própria ideia de previsão do tempo. Nessa mesma década, em 1966, abre-se o caminho para a análise do clima passado com a extração de núcleos de gelo na Groenlândia que deram um retrato do clima nos últimos 8,2 mil anos. Nos anos seguintes, com o desenvolvimento tecnológico, o olhar para o clima passado e a previsão do clima futuro seriam aperfeiçoados, com o advento de máquinas como o computador Cray 1-A, rodando modelos que reforçam a constatação do aquecimento e a extração de núcleos de gelo da Antártica e fornecendo um retrato do clima de até 150 mil anos atrás.

Já estabelecida como disciplina própria, a climatologia iniciaria um novo capítulo diante da opinião pública e do consenso científico em 1988, com a criação do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, dedicado à revisão da ciência ao redor do tema.

Como um órgão intergovernamental, o painel é composto por mais de 600 especialistas de diversas disciplinas do campo das ciências climáticas e com origem em mais de 40 países. Seu trabalho é organizado ao redor de relatórios publicados a partir da pesquisa de três grupos de trabalho distintos: o primeiro é dedicado a reunir e apresentar os indícios de aquecimento global em diversas disciplinas; o segundo avalia as vulnerabilidades de sistemas humanos e naturais diante dos impactos das mudanças climáticas; e o terceiro analisa estratégias de mitigação de seus efeitos em curto, médio e longo prazo.

Ao longo dos anos, o painel vem ganhando papel cada vez mais importante na formação de consenso sobre a mudança climática e na pressão de governantes e tomadores de decisão. Em 2007, o IPCC recebeu o prêmio Nobel da Paz. Seu trabalho recentemente tem sido destacado, também, pela crescente preocupação com a divulgação científica: fazendo uso de visualizações de dados e representações visuais sintéticas e de impacto para sensibilizar para a temática e alcançar tomadores de decisão e público geral – exemplo disso é a seguinte visualização produzida para o relatório de março de 2023, que faz uso de figuras humanas para exemplificar a experiência do aquecimento global para pessoas de diferentes gerações.

Figura 5: Visualização exibindo as tendências de temperatura global observadas e possíveis projetadas e como elas afetariam diferentes gerações. Fonte: SPM.1 do Relatório de Síntese AR6 do IPCC das Nações Unidas.

Com os próximos modelos climáticos, como o de Robert Dickinson, de 1990, seria possível compreender e prever como alterações de condições climáticas globais podem exercer efeito sobre climas locais, e vice-versa. O segundo relatório do IPCC, de 1995, constata também o aumento do nível do mar, e sua acidificação (já aventada pelos achados de Stephen V. Smith e Buddemeier), servindo de base para a formulação do protocolo de Kyoto, tratado internacional de compromissos com metas ambientais.

Em 2011, a partir da publicação do Bulletin of the American Meteorological Society, a compreensão aprofundada dos efeitos da mudança climática resultam na consolidação da ciência de atribuição: ramo da ciência climática dedicado a compreender quais eventos climáticos extremos podem ser colocados na conta da mudança climática – e, portanto, da ação antropogênica – e quais poderiam ocorrer independentemente.

A situação climática em que o planeta se encontra desde pelo menos a metade do século XX (Steffen et al, 2015) desafia a capacidade humana de compreender e até mesmo nomear os fenômenos com que nos deparamos. A adoção do termo “aquecimento global” para se referir ao conjunto de mudanças climáticas das últimas décadas é, por si só, motivo de amplo debate acadêmico e um exemplo do poder de um nome para a concepção e comunicação de uma ideia.

A expressão “aquecimento global” pode ser preterida por especialistas que creem que o foco apenas no aumento de temperatura apresenta o problema como exageradamente unidimensional, ao passo que “mudança climática” é uma descrição mais precisa do fenômeno, mas por demais neutra e desresponsabilizada. Ativistas, por outro lado, têm preferido a adoção de “crise climática” como uma forma de ressaltar o caráter de urgência da situação.

Jaskulsky & Besel (2013) constatam, em experimento que avaliou a resposta de leitores aos termos “aquecimento global”, “mudança climática”, “crise climática” e “disrupção climática”, que os níveis de confiança nas conclusões da ciência variam a depender de qual termo é utilizado. Apesar do melhor desempenho do termo “disrupção climática” no estudo, os autores concluem que não há uma “bala de prata” em termos de nomenclatura – podendo haver melhor ou pior resposta de determinado termo a depender das inclinações políticas e crenças anteriores do receptor da mensagem. Contudo, a nomenclatura tem, sim, considerável importância na construção da resposta emocional e compreensão do problema pelo leitor.

A importância da nomenclatura está em jogo também na definição de outro termo importante descrevendo um fenômeno amplo que contém a própria mudança climática: o Antropoceno. Cunhado na década de 1980 pelo biólogo Eugene F. Stoermer e, mais tarde, delineado e popularizado pelo químico Paul Crutzen (2000), o termo tem como cerne a extensão e impacto das mudanças causadas no clima e na terra por efeito da ação humana. A ideia de Antropoceno propõe uma revisão das classificações do tempo geológico da Terra de maneira que deixaríamos de viver no Holoceno (iniciado há aproximadamente 12 mil anos) e estaríamos adentrando uma nova época marcada pela modificação do planeta pela ação antrópica.

A ideia de denominar um “novo tempo” marcado pelo ser humano já havia sido explorada anteriormente em outras tentativas de nomenclatura. Desde a definição de uma época humana como sendo a sétima e última do planeta com base na história bíblica da criação divina em sete dias (Buffon, 1778), termos como “antropozoico” (Jenkyn, 1854; Haughton, 1865), “época humana” e “idade da mente e era do homem” (Dana, 1863) já foram propostos.

Vigorou, desde o século XIX, entretanto, a adoção do termo holoceno (“o todo recente”), proposto pelo geólogo francês Paul Gervais na década de 1860 a partir da ideia de Charles Lyell de denominar uma “época recente”. Maslin & Lewis (2015), resgatando as origens desse debate, ressaltam que a adoção do holoceno, baseada no fim do período glacial e no “coincidente” surgimento de humanos e de civilizações, foi fortemente influenciada pelas crenças teológicas de seus proponentes como uma forma de atestar cientificamente a separação do homem da natureza e seu status como o ápice da cadeia evolutiva.

Maslin & Lewis expandem, ainda, sobre os efeitos atuais da adoção dessa nova nomenclatura sugerindo que há duas opções de como adotá-la. A primeira mantém a definição até então utilizada da época do holoceno e adiciona uma nova época denominada de Antropoceno quando o holoceno se encerra. A segunda, mais intrusiva, passa a retroativamente considerar o holoceno não mais como uma época, mas sim rebaixá-lo a um estágio da época do pleistoceno (iniciado há cerca de 1,75 milhão de anos), considerando, ao fim desse estágio, o início da nova época do Antropoceno.

Um dos principais pontos ainda em discussão ao redor da ideia de Antropoceno está em determinar seu ponto de partida, o marcador de início que indica uma ruptura com a época anterior. Diferentes marcadores estratigráficos são propostos, ainda com ausência de consenso entre pesquisadores das ciências da Terra.

Maslin e Lewis, em revisão da literatura, apontam que esses marcadores de início podem variar desde aproximadamente 50 mil anos atrás (com o início do processo de extinção da megafauna), até cerca de 11 mil anos atrás (com o início da agricultura) ou até mesmo décadas atrás (com a detonação da primeira bomba nuclear em 1945). Outros anos importantes no debate são 1610 (por conta da movimentação de espécies ao redor do globo como consequência das Grandes Navegações) e a década de 1950 (quando processos de industrialização culminam na variabilidade de indicadores climáticos).

Este último é um dos fenômenos mais aceitos como principal marcador de início e comprovação da chegada do Antropoceno, denominado de “A Grande Aceleração”. O termo, proposto por Steffen et. al (2015), descreve o aumento repentino, exponencial e sem precedentes de toda sorte de indicadores agrupados em dois eixos: sistemas naturais da Terra e sistemas socioeconômicos.

O que demonstram os conjuntos de dados que validam esse fenômeno é que, desde a década de 1950, toda sorte de indicadores sofreram conjuntamente um aumento considerável em ritmos e frequências semelhantes: desde população, uso de energia, consumo de fertilizantes, uso de água e uso de transportes, até emissões de CO₂, metano, temperatura na superfície da Terra, acidificação de oceanos, perda de florestas tropicais, entre outros.

Figura 6: Gráficos demonstrando a aceleração de indicadores socioeconômicos e do sistema Terra. Fonte: Stephen et. al.

Todos esses indicadores aumentaram de tal forma, alcançando tamanhos níveis de variabilidade, que indicariam, segundo os autores, uma ruptura com os níveis anteriores condizente apenas com uma nova época geológica. Esse marcador de início tem sido preferido entre as ciências da Terra por fornecer um panorama de indicadores que sinalizam seu início. Enquanto as tentativas anteriores de estabelecer uma “época humana” levaram em consideração a existência dos humanos na Terra, o Antropoceno sinalizado pela grande aceleração vai além e leva em consideração o impacto da existência humana sobre o planeta.

O debate acerca de como adotar essa nova terminologia é importante não apenas para os efeitos das ciências da Terra, mas para a formação de uma narrativa da experiência humana no planeta. Não há, ainda, experimento semelhante ao de Jaskulsky & Besel (2013) avaliando a resposta e os efeitos da adoção do termo “Antropoceno” sobre os receptores de mensagens relacionadas à mudança climática. Mas, fora das ciências da Terra, existem debates e proposições advindas de estudiosos das humanidades que divergem ou complementam o panorama de perspectivas que compõem nossa compreensão do Antropoceno.

Além da definição de que uma nova época geológica efetivamente se iniciou – e de quais eventos marcam seu início –, o debate ao redor do termo “Antropoceno” tem sido levantado entre pensadores ambientais, antropólogos e ecologistas que discutem outras facetas e efeitos da adoção do termo.

Uma das críticas comuns recai sobre a ideia implícita ao termo “Antropoceno” de que a crise climática é levada a cabo por um único agente humano, um antropos despersonalizado que engendra nossas circunstâncias climáticas contemporâneas. Havendo apenas um único agente, a responsabilização – e portanto, a cobrança pela mudança e reorganização de sistemas para um novo mundo mais sustentável – recairia igualmente sobre toda a humanidade de maneira indistinta. Tal perspectiva indiscriminada da ação humana gera fricção com a ideia de “justiça climática” que vem ganhando tração nas últimas décadas – segundo a qual a distribuição das responsabilidades pelo clima deve levar em conta o impacto ambiental de cada população e que, portanto, aqueles mais desfavorecidos não devem pagar pelos excessos de emissão de CO₂ dos mais ricos.

Há na literatura grande diversidade de terminologias para contemplar diferentes visões sobre quem é responsável pela crise. Bruno Latour chama esse cenário de um “novo regime climático” que há de se impor sobre múltiplos aspectos da economia, política e vida humanas (Latour, 2020); Donna Haraway e Anna Tsing revisitam e sugerem a ideia do “capitaloceno” ou do “plantationceno” para desviar da metáfora pouco representativa de um único ente humano responsável pela crise, atribuindo-a a uma organização econômica do capital ou ao sistema de produção agrícola das plantations (Haraway, 2016); James Lovelock levanta a “hipótese de Gaia”, sugerindo que a Terra possa ser vista como uma forma de vida, um ente biológico único formado pelas múltiplas interações entre suas partes (Lovelock, 1972). A despeito da pertinência desses debates e das diferentes perspectivas sobre essa era geológica, o presente trabalho seguirá adotando o termo “Antropoceno” por compreender que é imperativo em um cenário de crise avançar com os consensos possíveis e que apenas habitando essas contradições é possível transformá-las em ação.

3.2. Hiperobjetos: aquilo que nos escapa

O termo Antropoceno é também alvo de crítica por ser demasiadamente específico ou pouco abrangente para tratar de toda uma classe de problemas gerados pelo humano que fogem a seu controle. Um pensador que responde a tal contradição apresentando um arcabouço teórico útil também para os objetivos deste trabalho é o filósofo Timothy Morton e seu conceito de hiperobjetos, empregado para tratar de fenômenos complexos como os climáticos.

Morton entende a complexidade como o que chama de malha: “uma série de eventos ou situações em que algo está enredado; uma concatenação de forças ou circunstâncias constritivas ou restritivas; um laço” (2010). A ideia dialoga com o paradigma da complexidade de Edgar Morin, que descreve não apenas um “tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico”, mas que compreende também “a incerteza no seio de sistemas ricamente organizados”, proveniente seja dos fenômenos em si, seja dos “limites de nosso entendimento” (Morin, 1990). Como exemplo máximo da complexidade, Morton erige um conceito de que utilizaremos para a discussão dos projetos aqui analisados: o hiperobjeto.

Cunhado na esteira dos debates filosóficos do movimento chamado de ontologia orientada a objetos, o termo descreve de maneira genérica uma gama de objetos e ideias que se pode estudar, pensar sobre e aferir, mas que não são simples de se visualizar diretamente por conta de sua grande escala espacial e temporal (Morton, 2010, 2013).

Morton (2015) cita o exemplo do isopor. Um único copo de isopor é perfeitamente perceptível e manipulável, mas o conjunto de todo o isopor disperso pelo mundo apresenta um desafio maior à imaginação. Dividido em partículas cada vez menores, o material espalha-se, ocupando uma escala espacial de nível global. Considerando os cerca de 500 anos necessários para sua decomposição, se estende também em uma escala temporal inimaginável, da ordem de séculos. É, dessa forma, um material produzido por humanos que desafia suas próprias capacidades de visualizá-lo como um todo, sobrevivendo à toda a população mundial viva hoje. A radiação de plutônio dispersa pelo planeta, a biosfera, e o aquecimento global são outros exemplos oferecidos pelo autor.

Segundo Morton (2013), cinco propriedades definem um hiperobjeto – e utilizaremos algumas delas para formar um conjunto de perguntas usado para analisar as visualizações de dados e compreender seu diálogo com o conceito:

  1. Viscosidade – hiperobjetos aderem a outros objetos independentemente da resistência que se oferece;
  1. Não-localidade – hiperobjetos cobrem tamanha escala temporal e espacial que sua totalidade não pode ser percebida em nenhuma de suas manifestações locais;
  1. Liquidez – hiperobjetos são tão maciços que distorcem a percepção de espaço e tempo como constantes, concretos e consistentes;
  1. Multidimensionalidade – hiperobjetos ocupam um espaço dimensional superior, inacessível à percepção humana que os percebe tridimensionais apenas parcialmente;
  1. Interobjetividade – hiperobjetos são formados por relações complexas entre diferentes objetos e se permitem perceber apenas pelas marcas que deixam entre si.

Se, por natureza, o conceito de hiperobjeto parece abstrato e ininteligível, ou pertencente apenas ao campo das ideias, o consideramos útil ao campo do design por não apenas nomear certo fenômeno, mas por nos permitir extrapolar as visualizações ambientais para uma classe de problemas, ao mesmo tempo que pode informar projetos de design em torno dessa problemática.

A visualização de dados possui seus próprios critérios para medir complexidade que exploraremos em maior profundidade adiante, sendo um dos mais comuns a listagem da quantidade de dimensões codificadas em um gráfico (Ilinsky & Steele, 2011) – queremos aqui colocar esses critérios em contato com os de outros campos. A visualização é comumente usada para representar fenômenos complexos: ela pode representar dados de grandes quantidades ou multidimensionalidades; elucidar o funcionamento de sistemas intrincados e altamente relacionais; dimensionar fenômenos crescentemente grandiosos em escala; e como projeto de design, deve equilibrar uma série de preocupações com relação ao seu leitor final, de modo a estabelecer uma comunicação adequada ao seu perfil, contexto e suporte midiático (Cairo, 2013).

A publicação de coletâneas como Arts of Living on a Damaged Planet (Tsing et al., 2017) ou o catálogo Hyperobjects for Artists (Copelin et al., 2018) – associado a uma exposição de mesmo nome realizada em 2018 nos Estados Unidos – evidenciam que a questão já se colocou às artes. Nessas obras, poetas, ensaístas e artistas de outras disciplinas trazem suas potenciais respostas para endereçar esse problema de representação. A problemática do Antropoceno vem sendo, também, objeto de estudo dentro do design (Meyer, 2020). Gostaríamos aqui de nos concentrar sobre as respostas dadas especificamente pela visualização de dados como disciplina encarregada da representação da complexidade.

Queremos argumentar aqui que os hiperobjetos podem ser vistos fundamentalmente como problemas de design na medida em que apresentam um desafio ao ferramental de que atualmente dispomos para dar representar aquilo que se é incapaz de visualizar.

A partir do histórico do Antropoceno e das múltiplas perspectivas e respostas ao problema da ação humana sobre o planeta apresentadas aqui, podemos no capítulo seguinte partir para uma análise do estado da arte e do histórico da visualização de dados climáticos, tendo em vista de que maneira a visualização enquanto disciplina do design dialoga com os conceitos e pensamentos levantados neste capítulo.

4. Visualização de dados sem amarras

Naturalmente, por tratar da visualização de dados climáticos como principal objeto de pesquisa, é fundamental apresentar nossa compreensão de conceitos importantes dessa disciplina. Fazemos isso a seguir retomando algumas classificações teóricas utilizadas no âmbito da visualização de dados e, no subcapítulo seguinte, fazendo a crítica de alguns desses conceitos à luz de autores mais recentes.

4.1. A prática de tornar visível

Em um ecossistema midiático saturado de dados e informações quantificadas, a visualização de dados é um campo multidisciplinar do conhecimento que tem sido empregado e estudado por profissionais e estudiosos de diversas áreas por conta de sua versatilidade para responder a diferentes tipos de problemas.

Nos campos do jornalismo e da divulgação científica, gráficos, mapas e outros diagramas e visualizações de dados são utilizados para comunicar informações de interesse público de maneira rápida, efetiva e envolvente, a despeito da complexidade das temáticas abordadas.

No contexto do marketing, por exemplo, o domínio de conceitos e ferramentas de visualização é, a essa altura, um pré-requisito para profissionais que trabalham com a análise do desempenho de campanhas, com a identificação de tendências de mercado e a compreensão do comportamento de consumidores. Mais amplamente, no mercado de trabalho em geral, a visualização é o ponto de partida para a busca por oportunidades de mercado, a formulação de projeções financeiras e a tomada de decisões cruciais de negócios – frequentemente por meio de dashboards automatizados e relatórios periódicos.

Figura 7: Dashboard interativo como exemplo de uma visualização exploratória. Fonte: Geckboard.

Além de seus usos para comunicar informações de maneira rápida e direta, a visualização também tem sido empregada no contexto das artes. Artistas, designers e outros praticantes se utilizam de visualizações como um meio para expressão criativa e para a discussão de temáticas importantes da contemporaneidade.

Esses exemplos evidenciam a versatilidade e a capacidade da visualização de transcender os limites tradicionais de disciplinas, exigindo daqueles que a querem empregar ou compreender uma abordagem aberta e multidisciplinar. Mais do que um conhecimento fragmentado entre diversas disciplinas, a visualização de dados pode ser compreendida, segundo proposta de Alberto Cairo, como uma “mistura formativa de conceitos, métodos e procedimentos emprestados de muitas áreas: princípios do design de mapas (da cartografia); diretrizes sobre como melhor exibir dados em um gráfico (da estatística); regras e boas práticas para o uso de tipografia, layout e paletas de cor (do design gráfico); princípios de estilo de escrita (do jornalismo); e mais, incluindo uma ampla gama de softwares e ferramentas. (…) Gráficos informativos individuais são também tecnologias, meios para cumprir certos propósitos, dispositivos cujo objetivo é ajudar uma audiência a completar certas tarefas” (Cairo, 2013, pg. 23, tradução nossa).

Sendo assim, a visualização é aberta o suficiente para alcançar diferentes tipos de objetivos: dos mais pragmáticos aos mais reflexivos. Uma separação comum desses objetivos é feita em duas categorias: visualizações de dados exploratórias e visualizações de dados explanatórias (Knaflic, 2015).

A primeira categoria, das visualizações exploratórias, diz respeito a visualizações produzidas para engendrar uma imersão em dados muitas vezes complexos e multifacetados, permitindo aos autores identificar padrões, fazer descobertas e ter uma compreensão mais profunda dos possíveis sentidos de determinado conjunto de dados. Um exemplo é a produção de gráficos para a análise de dados de comportamento de consumidores objetivando a identificação de tendências de mercado. Frequentemente essas visualizações são produzidas e compartilhadas internamente dentro do ambiente de uma organização, sem a perspectiva de que sejam publicizadas para uma audiência geral.

A segunda categoria, das visualizações explanatórias, diz respeito a visualizações produzidas com o objetivo de transmitir informação e conhecimento a outrem, valendo-se, para tanto, de técnicas de comunicação e discurso para estabelecer um ponto de contato com um público conhecido ou presumido ao qual a linguagem de uma visualização deve se adaptar. Os gráficos produzidos no contexto do jornalismo e da divulgação científica frequentemente se enquadram nessa categoria, tendo como objetivo principal a comunicação de dados de interesse público ou que deseja-se que sejam publicizados a uma audiência geral diversa.

Figura 8: exemplo de uma visualização explanatória. Fonte: Bloomberg.

Essas categorias não são rígidas. Frequentemente, projetos e iniciativas empregam a visualização de dados de maneira a mesclar ambos os objetivos – seja permitindo a um leitor de uma visualização explanatória explorar os dados motivado por suas próprias hipóteses e curiosidades ou, mais comumente, ressignificando e adaptando visualizações exploratórias para que sirvam também à comunicação com um público amplo de não especialistas, por exemplo.

Ambas as categorias são orientadas, em maior ou menor medida, por uma série de conceitos de codificação visual a essa altura bem estabelecidos no campo da visualização de dados e que, historicamente, se desenvolveram a partir de disciplinas como a computação, a estatística e a matemática. Desde ideias mais recentes, como os conceitos de “marcas gráficas e atributos” delineados por Tamara Munzner (2014), até paradigmas mais antigos, como a “gramática de gráficos” (grammar of graphics), de Leland Wilkinson (1999) e o framework da “semiologia de gráficos” (semiology of graphics), de Jacques Bertin (1967), a visualização partiu como uma disciplina conjugada à conhecimentos exatos e quantificados.

Os primeiros teóricos (e também praticantes) da visualização de dados como a conhecemos – como Bertin (1967), Tufte (1983) e Playfair (1786) – viam a visualização como um campo técnico, abstrato e neutro em que se desenrolavam achados científicos, teorias e outros tipos de dados. O exemplo mais conhecido dessa compreensão é o conceito de “data-ink ratio” (razão entre dado e tinta, em tradução livre), de Tufte (1983), que propunha um ideal para visualizações de dados em que a superfície da imagem fosse composta única e exclusivamente por pontos de dados expressados com a menor quantidade de recursos gráficos possível, desprezando quaisquer redundâncias ou adereços visuais como “lixo” (chartjunk).

Figura 9: à esquerda um gráfico original de Nigel Holmes, repleto do chamado “chartjunk”, e à direita a versão de Edward Tufte com maior aproveitamento de “data-ink ratio”

Dessa forma, prezavam, acima de tudo, pela precisão, simplicidade e economia de recursos que serviram de base para as formas gráficas já hoje familiares e consolidadas para grande parte da população: gráficos abstratos e minimalistas compostos de barras, linhas e outras formas geométricas empregadas com austeridade e concisão.

Se esses tipos de gráficos são hoje, para muitos, o ponto de partida para a noção de “visualização de dados”, é importante ressaltar as limitações e especificidades desses tipos particulares de visualização, bem como os problemas decorrentes do seu estabelecimento como o “padrão de ouro” da visualização de dados a ser perseguido e preservado. Daremos espaço à crítica a esses paradigmas na seção seguinte.

4.2. Dados de carne e osso

A alta complexidade dos fenômenos contemporâneos como, por exemplo, a crise climática nos convida a um exame atento das maneiras em que a visualização de dados trata de temáticas e conhecimentos complexos. Uma das chaves possíveis de análise de complexidade na visualização de dados está, bem diretamente, na análise da quantidade e do tipo de codificações visuais empregados em determinada visualização. Assim, gráficos que fazem uso de uma gama extensa de marcas gráficas e atributos para visualizar seus dados – empregando, simultaneamente, altura, cor, e volume de retângulos, círculos e triângulos, por exemplo – seriam mais complexos e representariam um desafio maior à cognição do que gráficos simples que empregam apenas uma dessas marcas e canais (Munzner, 2014). Essa chave está intimamente ligada ao conceito de “literacia de dados” (Tukey, 1962). Convenções de visualização e formas gráficas experimentais, inovadoras ou menos estabelecidas e conhecidas pelo público, também podem representar desafios de maior complexidade para a compreensão.

A chave de análise que mais nos interessa, entretanto, diz respeito a um ponto anterior: ao conceito do que propriamente são “dados”, como eles são produzidos ou obtidos e, sobretudo, como diferentes respostas a essas perguntas afetam os recursos e técnicas empregados e os objetivos da prática de visualização de dados. Especialmente quando lidamos com conjuntos de dados massivos e multifacetados.

Como vimos no sub-capítulo anterior, a compreensão de dados como “neutros” encaminha a disciplina e sua prática para um certo tipo de visualização altamente abstrata e simplificada em recursos visuais. No entanto, a despeito de se estabelecer como a forma mais usual de visualização, essa compreensão não é a única – e seu estabelecimento como o “padrão de ouro” da visualização pode limitar as potencialidades da disciplina e restringir a diversidade daqueles que a acessam.

Na mesma medida em que as contribuições de seus primeiros praticantes foram fundamentais para uma sustentação teórica da visualização de dados e seu estabelecimento como disciplina do conhecimento, as particularidades do plano de fundo educacional e dos privilégios associados à raça e gênero desses praticantes limitou por décadas o escopo de nossa compreensão sobre visualização de dados – com efeitos que estamos, ainda hoje, compreendendo.

Essa crítica, à qual subscrevemos nesse trabalho, é tecida por D’Ignazio e Klein (2020) em seu Data Feminism, em que as autoras repassam a história da visualização pela ótica da interseccionalidade e à luz de conceitos de pesquisadoras das humanidades, como Donna Haraway. Na raiz desse argumento, está uma diferença fundamental na compreensão do conceito de “dado” e sua relevância e aplicação na contemporaneidade.

A primazia por uma certa visualização de dados neutra, desimplicada e puramente “técnica” tem, entre suas origens, a noção de que o conhecimento pode ser, ele mesmo, completamente neutro – ou seja, dissociado da realidade material do mundo e existente em um plano abstrato ao qual pode-se ter acesso por meio da investigação ou pesquisa. Haraway (2009) denomina essa visão de “god trick” (truque de Deus, em tradução livre): um suposto ponto de vista neutro e descorporificado que é capaz de ver a tudo e a todos de um ponto de vista privilegiado e compreensivo, dando conta de todos os pormenores e produzindo, assim, aquilo que é conhecimento objetivo.

Na realidade, pontuam D’Ignazio e Klein em diálogo com esse conceito, todo conhecimento é situado. Ou seja, é fruto indissociável dos agentes que o produziram e das relações de poder e cosmovisões em que eles estão emaranhados. Se compreendemos, por essa perspectiva, que a produção de dados consiste em uma quantificação ou qualificação de determinados aspectos da realidade que podemos observar ou aferir por meio de equipamentos, por exemplo, compreendemos então que todo dado consiste não em um conjunto de verdades “descobertas”, mas em uma representação aproximada da realidade, necessariamente moldada pela compreensão e interpretação do mundo de seus autores e sempre parcial.

O reconhecimento dessa limitação de perspectiva não torna uma visualização um ponto de informação descartável, mas sim potencializa suas capacidades na medida em que a reconhece como um diálogo: o fruto de uma dinâmica entre o praticante da visualização e a realidade e os agentes que a compõem. Trata-se, portanto, de uma entre múltiplas possíveis traduções dos fenômenos do mundo, um conhecimento situado nas especificidades de seus autores e amparada em seus esforços em dialogar.

Ao subcrevermos a essa noção de dado como conhecimento situado, expandimos nossa compreensão da visualização para dar conta de outras formas de tratar da complexidade da realidade, em uma abordagem holística. Teóricos subsequentes expandiram o campo incorporando conhecimentos de outras disciplinas de forma a tornar as visualizações mais acessíveis, transparentes e impactantes.

Manovich (2020), por exemplo, emprega em sua prática, uma forma de visualização que remove ou, no mínimo reduz, intermediários: um ponto de dado no gráfico é representado não por uma forma abstrata, mas pelo próprio objeto em que consiste (utilizando não um ícone para significar uma capa de revista, mas a própria capa de revista, por exemplo). Essa abordagem busca preservar a complexidade do fenômeno e reconhecer a singularidade de cada conjunto de dados.

Figura 10: projeto “TimeLine”, de Lev Manovich, visualizando capas da revista Time. Fonte: manovich.net.

Em outro exemplo, Byrne et. al. (2019), desviando da noção de que a abstração é ponto fundamental para uma visualização precisa e objetiva, estabelecem um arcabouço teórico do que chamam de “figurative frame”, definindo uma gramática também para visualizações figurativas, pictóricas e ilustrativas. Isso significa que a visualização de dados não precisa se limitar a marcadores visuais genéricos; em vez disso, ela pode abraçar ilustrações e outros elementos pictóricos que enriquecem a narrativa visual e seu potencial de engajamento.

Adicionalmente, em resposta à ideia de uma visualização descorporificada, iniciativas como o grupo de pesquisa em “visceralizações de dados” da Rhode Island School of Design, propõem que dados possam ser não apenas visualizados (transformados em peças de informação necessariamente visual), mas visceralizados, traduzidos para outros sistemas de percepção, empregando necessariamente um elemento físico, corpóreo e emocional para a compreensão dos dados (Dobson, 2012). Nesse paradigma, a emoção do leitor e do praticante não é um um obstáculo indesejável à objetividade racional e neutra, mas sim uma entre as muitas formas de experienciar o mundo que deve ser considerada na produção de dados e visualizações. Ao reconhecê-la, praticantes podem ativamente envolver os afetos dos leitores de maneira a suscitar determinada reação, representando, simultaneamente, uma resposta decolonial à predominância de narrativas da visualizações de dados proveniente do Norte Global (D’Ignazio & Klein, 2020).

Em suma, ao entendermos dados como compreensões parciais de uma realidade hipercomplexa e multifacetada, nos permitimos não só ampliar as potencialidades e alcance da prática de visualização de dados, mas também compreendê-la como um artefato comunicacional complexo, atravessado por diversas idiossincrasias inerentes à experiência humana. Assim, a capacidade da visualização de cumprir seu objetivo não é apenas técnica, mas também cultural e socialmente influenciada, questionando visões dogmáticas que prescrevem certas visualizações como “certas” ou “erradas” à luz da complexidade da comunicação em ambientes diversificados, onde fatores como raça, classe, origem e gênero desempenham papéis significativos na interpretação dos dados.

Com isso, encerramos este capítulo em que conceituamos nossa compreensão da visualização de dados por meio da crítica a certos preceitos estabelecidos como dogmas na disciplina. Este conjunto de ideias é essencial para a condução dos ciclos de design que dão continuidade à esta pesquisa: é a partir dele que desenvolvemos o trabalho prático de design de visualizações de dados descrito a seguir.

5. Projeto: ciclos de design #1, #2 e #3

A presente pesquisa tem como norte o desenvolvimento de um artefato de design que elabore sobre a temática da crise climática e da representação de hiperobjetos à luz do arcabouço teórico aqui articulado, da revisão bibliográfica e das estratégias de representação levantadas na análise de artefatos.

Por tratar-se de um problema capcioso (Rittel; Weber; 1973), a representação de fenômenos complexos possui diferentes abordagens práticas, artísticas e teóricas para sua solução. Como forma de dar conta dessa diversidade de referenciais e objetivando a construção de um artefato relevante e útil e de conhecimento teórico válido e compreensivo para pesquisas posteriores, o trabalho segue os preceitos da pesquisa a partir do design (Research Through Design), como delineados por Frankel & Racine (2010).

5.1. Ciclo #1: Escalas em Aquecimento

Como ponto de partida de nosso primeiro ciclo de design determinamos três requisitos para a visualização de dados a ser desenvolvida na etapa de design de prova de conceito a partir dos questionamentos decorrentes da classificação empregada na etapa de análise. Em seguida, empreendemos a busca e coleta de conjuntos de dados climáticos de livre acesso a serem utilizados na visualização a partir do repositório Data Is Plural [4], um agregador de bancos de dados públicos e gratuitos em diversos temas. Na data da escrita, o repositório possuía 1.261 entradas relativas a diferentes bases de dados. Dessas, 20 mencionam o termo “climate” e disponibilizam links de acesso para download dos dados em formato tabular.

Foram selecionados três que dizem respeito à problemática deste trabalho e cujas estruturas e tamanhos permitem análise em máquina local e comparação entre séries históricas:

[4]: Disponível em <https://www.data-is-plural.com/archive/>
[5]: Disponível em <https://genomics.senescence.info/species/index.html>
[6]: Disponível em <http://berkeleyearth.lbl.gov/auto/Global/Complete_TAVG_summary.txt>

Desenvolvemos então gráficos iniciais para compreender os conjuntos de dados usando pacotes da coleção tidyverse no software estatístico R e sketches para sugerir caminhos para o design da visualização.

A solução melhor apta a atender aos requisitos foi, então, explorada em maior profundidade e desenvolvida nos softwares Adobe Illustrator e Adobe After Effects no formato de uma visualização animada que sugere os comportamentos desejados para a visualização com a interação do usuário em uma página web a ser desenvolvida futuramente.

A partir dos resultados da etapa de análise, formulamos os seguintes três requisitos para uma visualização no escopo deste trabalho:

  1. Representar a crise climática utilizando dados relativos a humanos e não-humanos (a partir de questionamento baseado nas ideia de “agregado multiespécies” de Anna Tsing);
  1. Representar dados da crise climática como contexto para outros dados em uma cadeia de associações (a partir de questionamento baseado na ideia de Arjun Appadurai de design como contexto para outros objetos de design);
  1. Representar a crise climática em escalas temporais ou espaciais extensas, abrangendo períodos além da longevidade humana (a partir do questionamento baseado nas propriedades de não-localidade e multidimensionalidade dos hiperobjetos como definidos por Timothy Morton).

A partir deles, pretendemos desenhar uma proposta de visualização de dados que sugerisse características levantadas por Morton como cruciais aos hiperobjetos (como a multidimensionalidade e a interobjetividade).

Os sketches iniciais do projeto partiram dos requisitos #1 e #2, explorando formas gráficas que permitam uma continuidade crescente de formas em sequência, como a forma dos círculos concêntricos. Ela permite dar à continuidade do tempo não um caráter linear, mas de expansão, do interior para o exterior, de maneira que uma escala temporal esteja contida dentro de outra (como a longevidade da vida de uma espécie que contém a de outras espécies).

Figura 11: as ‘climate stripes’, de Ed Hawkins. Fonte: Hawkins (2018).

A exploração dessas formas levou ao trabalho de Emanuele Bevacqua (2018), adaptado das “listras de clima” (climate stripes) de Hawkins (2018), que foi utilizado como ponto de partida para as informações de longevidade. Em conjunto com um comportamento de readequação das escalas ao longo da animação, seria possível sugerir a multidimensionalidade dos dados.

Figura 12: sketches iniciais das codificações da visualização.

A etapa seguinte foi de exploração da distribuição de longevidades disponíveis na base de dados AnAge (de 0,04 anos de vida, no caso de uma espécie de levedura, a 15 mil anos de vida, no caso das esponjas hexactinellida). Para exibir essas distribuições extensas junto aos dados de aquecimento seria necessário atestar as distribuições dos conjuntos de dados selecionados e avaliar a possibilidade e adequação de comparar dados de aquecimento com de longevidade de vida de espécies.

Os dados de anomalias de temperatura de Berkeley Earth foram então representados em alguns gráficos iniciais para exploração da distribuição do conjunto de dados em diferentes codificações, incluindo a de círculos concêntricos, em uma paleta de cores térmica. Esses dados compreendem um período de 270 anos, iniciado dez anos antes do início da Revolução Industrial – período condizente com o início da alta exponencial em emissões de CO₂ (Steffen et al, 2015). Esse período é mais extenso do que a longevidade humana, mas insuficiente para cobrir as espécies no topo da distribuição do dataset AnAge. A unidade mínima de um ano por aferição também apresenta um desafio para representar as espécies de longevidade inferior a esse número.

Figura 13: dados de anomalias de temperatura de Berkeley (1750-2020) em três representações (linhas, tiles e círculos concêntricos).

Os mesmos gráficos foram gerados também usando dados da base de paleoclima da NOAA, que abrangem um período de centenas de milhares de anos (entre 800.000 aC e 1911). Essas temporalidades seriam mais do que suficientes para dar conta de grandes longevidades, mas apresentam um desafio para espécies de menor longevidade devido às unidades mínimas de aferição de décadas. Além disso, definir onde situar o início das longevidades das espécies em relação aos dados de aquecimento é também um desafio: iniciar o tempo de vida das espécies em um período muito anterior ao de suas existências pode configurar um anacronismo que resulte em distanciamento por parte do leitor, ao mesmo tempo que definir qual a periodicidade adequada para todas elas demandaria uma análise mais aprofundada sobre as espécies.

Figura 14: dados de paleoclima (800.000aC-1911) em três representações (linhas, tiles e círculos concêntricos).

Com essas considerações, optamos por abandonar a base de dados de paleoclima da NOAA em favor da base de Berkeley Earth, descartando assim, também, as escalas de temporalidade nos extremos da distribuição do dataset AnAge (composto agora de um range de 1 a 270 anos de vida).

Para fins de brevidade da prova de conceito, foi selecionada uma amostra de 9 espécies representativas de longevidades de diferentes ordens de grandeza e ainda condizentes com o período de 270 anos de dados de aquecimento disponíveis). As longevidades de vida dessas espécies foram visualizadas em círculos concêntricos para análise. A forma dos círculos nos pareceu a mais atraente dentre as três por seu caráter hierárquico: os círculos exteriores contêm dentro de si os círculos interiores, formando uma metáfora de um tempo que se expande de dentro pra fora, contendo o passado ainda dentro de si.

Figura 15: longevidade média de 9 espécies selecionadas.

A prova de conceito final [7] consiste dos gráficos gerados em R finalizados em Adobe After Effects, de forma a sugerir animações que seriam desencadeadas pelo usuário em uma página web interativa a ser possivelmente desenvolvida futuramente.

[7]: Prova de conceito disponível em <https://youtu.be/phTqa9Hr1z8>

A animação pode ser usada como instrumento de discussão das problemáticas elaboradas em redes sociais e em grupos de pesquisa. As codificações utilizadas são descritas na legenda a seguir:

Figura 16: legenda explicativa da visualização animada.

A partir dessa primeira prova de conceito pudemos ter um primeiro vislumbre das potencialidades da visualização de dados para exibir dados de biodiversidade e clima de forma não convencional. O primeiro protótipo aqui descrito e seu processo de desenvolvimento estão também documentados em artigo publicado no âmbito dessa dissertação (Almeida & Kosminsky, 2023).

Uma vez finalizada, a prova de conceito foi exibida e discutida pelos especialistas em visualização de dados Pedro Cruz (Northeastern University), Cláudio Esperança (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Mauro Pinheiro (Universidade Federal do Espirito Santo) durante banca de qualificação de mestrado deste trabalho.

Os membros da banca apresentaram questionamentos valiosos para os ciclos seguintes de design cobrindo desde questões de ordem mais pragmática como a legibilidade de textos disposto sobre o círculo na animação, até questões mais fundamentais, como a possibilidade de usar de formas mais orgânicas para representar biodiversidade.

Estes apontamentos serão levados adiante nas iterações futuras desta prova de conceito. Em síntese, compreendemos de forma geral que as soluções de design empregadas neste primeiro ciclo apresentam uma porta de entrada para a discussão, mas podem ser melhor aprofundadas tanto em termos de metáfora empregada (a concomitância de diferentes formas de vida pode ser melhor explicitada de maneira mais orgânica), quanto de dados utilizados e de suporte de visualização.

Considerando os três requisitos para a visualização, a presente iteração parece dialogar com a ideia de representar concomitantemente dados relativos a humanos e não-humanos (incluindo a espécie homo sapiens entre as visualizadas) e de apresentar dados como contexto para outros dados (por meio do reescalonamento do diâmetro dos círculos da animação). Em termos de escalas temporais e espaciais extensas, a longevidade das espécies ultrapassa a longevidade média humana, mas as amplas escalas espaciais são ainda apenas sugeridas e podem ser melhor exploradas. No subcapítulo seguinte, descrevemos o segundo ciclo de design e as tentativas de endereçar estes pontos.

5.2. Ciclo #2: Outra Terra

Diante dos questionamentos feitos à prova de conceito anterior, dos três requisitos para nossa visualização e da discussão de literatura empreendida até aqui, buscamos outros referenciais teóricos que poderiam informar a continuidade dos ciclos de design. Tomamos contato, então, com um conceito da biossemiótica que poderia fornecer uma chave de interpretação importante e rica em sentidos para a visualização, ainda integrada às ideias de hiperobjetos de Morton. Trata-se do conceito de umwelt (do alemão, “ambiente”), cunhado pelo biólogo Jakob Von Uexküll (2013) e compreendido sucintamente como o mundo percebido e experienciado por determinado organismo.

Amplamente debatido e estudado na semiótica e nos estudos de biodiversidade, o conceito chama atenção para as maneiras pelas quais as capacidades perceptivas de diferentes formas de vida moldam suas experiências de mundo e, consequentemente, influenciam as interações e emaranhamentos entre diferentes formas de vida. Diante da problemática do Antropoceno, o conceito nos parece apropriado por identificar a incapacidade humana de vislumbrar o mundo pela perspectiva de outras formas de vida – e, mais do que isso, a incapacidade de toda forma de vida de se fazer compreender plenamente a seres dotados de outras umwelts diferentes. Estendendo o conceito na forma de uma metáfora, podemos imaginar e tentar visualizar por meio de dados a ideia de que cada ser vivo habita sua própria Terra.

Essa discussão tornou-se o ponto de partida para o segundo ciclo de design, que partiu de nossos requisitos descritos anteriormente (representar a crise climática com dados relativos a humanos e não-humanos; utilizando dados da crise climática como contexto para outros dados; e representar escalas temporais ou espaciais extensas), acrescidos da pergunta: como representar essas “outras terras”?

A partir dessa pergunta, o uso da cartografia como recurso de visualização pareceu intuitivo. A cartografia é uma das principais e mais duradouras áreas de interface da cultura humana com o mundo natural. Traçamos linhas em mapas, delimitamos polígonos e planificamos o globo com o objetivo de traduzir a complexidade e escala do planeta para nossa capacidade cognitiva e nossa organização do mundo.

Desde as formas de vida que o habitam até sua topografia, tudo que reside no mundo passa por nosso crivo cartográfico. Os mapas humanos são feitos por e para humanos. A Terra que planificamos, entretanto, não é feito por e para humanos. Fungos, plantas, vírus, répteis, mamíferos: uma miríade de formas de vida particulares apreendem o mundo, o transformam e se organizam nele de maneiras também particulares e incognoscíveis para nós.

Nos questionamos então: que outros mapas existem no nosso mundo e ainda não foram visualizados? E se nossa organização cartográfica e sociopolítica fosse determinada não pela nossa visão de mundo, mas pelo atravessamento de forças terceiras, não-humanas? Se o chamado mundo natural regesse nossas fronteiras, onde elas estariam desenhadas?

Poderíamos, a partir desses questionamentos, elaborar outras cartografias (ou, na terminologia do Orangotango Kollektiv (2018), contra-cartografias)? De certa maneira, as formas abstratas de nossos mapas já são inseparáveis da natureza. As fronteiras de um mapa humano são tão ligadas à nossa organização política e socioeconômica quanto à disponibilidade de recursos naturais, geografia e biodiversidade que se entrelaçam com nossa história coletiva. Mas, ao desviarmos o foco da maneira humana de perceber e explorar o mundo para as formas não-humanas de habitá-lo – em outras palavras, para a umwelt, a perspectiva do ser em si mesmo de outras formas de vida – podemos, possivelmente, ter um vislumbre dos outros mundos que se sobrepõem ao nosso.

Os estudos de design empreendidos neste segundo ciclo buscaram explorar as formas de visualização das outras terras que existem na Terra, os territórios distintos e desconhecidos que nos provocam pela sua estranha familiaridade e nos incitam a questionar quais as forças desconhecidas que determinam seus limites. Em outras palavras, nos provocam a olhar para a Terra, novamente, como um ente desconhecido, dotado de sua própria umwelt.

A partir dessas reflexões, iniciamos um processo de ampliação do escopo da prova de conceito de maneira a contemplar os requisitos de design por meio de outros datasets e com outros tipos de dados. Queríamos estender os dados utilizados para que contemplassem também outras formas de vida como bactérias fungos e vírus que poderiam apresentar padrões interessantes para o uso de formas mais orgânicas. Adicionalmente, gostaríamos de explorar dados geolocalizados e buscar novas formas de visualizar os dados utilizando mapas, identificados como as estruturas de visualização mais utilizadas nos projetos da etapa de análise.

Partimos, então, em busca de conjuntos de dados que contivessem informações sobre outras espécies ou informações geolocalizadas. A partir, ainda, da lista de datasets do Data Is Plural filtrada pelo termo “climate”, encontramos e selecionamos quatro outros conjuntos de dados que dizem respeito à problemática deste trabalho e cujas estruturas e tamanhos também permitem análise em máquina local e comparação entre séries históricas:

[8]: Disponível em <https://www.iucnredlist.org>
[9]: Disponível em <https://www.gbif.org/>
[10]: Disponível em <https://www.livingplanetindex.org/>
[11]: Disponível em <https://data.giss.nasa.gov/gistemp/tabledata_v4/GLB.Ts+dSST.csv>

Estes conjuntos poderiam fornecer caminhos possíveis para a visualização da experiência de mundo de outras formas de vida. Iniciamos, então, o processo de design explorando os dados dos datasets da IUCN. Para isso, por meio de cadastro acadêmico feito na plataformas online dos mantenedores do dataset, obtivemos amostras dos conjunto de dados referentes a mamíferos, anfíbios, répteis e plantas para explorar suas potencialidades. Em posse dos dados em formato de camadas geolocalizadas shapefile, plotamos todas as camadas no software de geoprocessamento QGIS. Cada camada desse dataset diz respeito à área de ocorrência de uma espécie, complementada pelos metadados de status de ameaça a ela.

Este contato inicial com os dados apresentou uma dificuldade de exploração que persistiria ao longo deste ciclo de design e que diz respeito à capacidade de computação para visualizar grandes quantidades de dados geolocalizados simultaneamente. Plotadas de uma só vez, as camadas totalizam um grande conjunto de informações que pode ser desafiador para a cognição.

Figura 17: captura de tela do software QGIS demonstrando a sobreposição das áreas de ocorrências de espécies de anfíbios, répteis, plantas e mamíferos, segundo base de dados da IUCN.

Selecionamos, então, uma amostra de espécies de seis famílias diferentes, para explorar a ideia de visualizar suas áreas de ocorrências como continentes – dessa maneira, teríamos uma representação cartográfica dos territórios que essas espécies ocupam e, portanto, do mundo particular que habitam. Para isso, plotamos todas as seis famílias em mapas, e utilizamos suas áreas de ocorrência como uma máscara para outras camadas de satélite que forneceriam a textura e aparência da vida natural.

Figura 18: Seleção de mapas de ocorrência de seis espécies (fora de escala), segundo base de dados da IUCN.

Além da dificuldade de computação para trabalhar simultaneamente com grandes quantidades de camadas geolocalizadas, encontramos uma limitação na disponibilidade de dados da IUCN, provenientes de metodologias de usos específicos, que provoca estranheza à leitura desses mapas: a indisponibilidade de dados em determinadas regiões do globo e a disponibilidade parcial em outros.

A cobertura de ocorrência de espécies da família dos cactos restrita às Américas, ou a ocorrência de tartarugas terrestres apenas em partes da África e sudeste asiático produzem uma dissonância cognitiva porque leitores sabem que essas espécies estão presentes também em outras partes do mundo. Dessa maneira, as “terras” que sugerimos que essas espécies estariam ocupando seriam incompletas, reduzindo o impacto comunicativo do projeto.

Diante dessa problemática, poderíamos persistir na visualização desses dados, buscando explicar e sanar dúvidas sobre a metodologia de coleta deles e, potencialmente, enveredando por um caminho de discussão sobre a indisponibilidade de dados globais e suas causas e efeitos. Entretanto, compreendemos que este caminho desviaria significativamente dos problemas centrais que queremos discutir listados nos nossos três requisitos (quais sejam: representar a crise climática com dados relativos a humanos e não-humanos; utilizando dados da crise climática como contexto para outros dados; e representar escalas temporais ou espaciais extensas).

Partimos, então, para a exploração do segundo conjunto de dados, da Global Biodiversity Information Facility. Composto de centenas de dezenas de milhares de datasets, cada um contendo dados geolocalizados de ocorrências de espécies em diferentes datas a partir de diferentes tipos de coleta, foi necessário, novamente, obter uma amostra reduzida dos dados para sua exploração.

Optamos, dessa vez, por escolher diretamente uma espécie para testar o formato e disponibilidade de dados. Selecionamos e obtemos os dados para espécies do filo das cianobactérias. Essas bactérias são amplamente exploradas no trabalho de pesquisadores da ecologia como Lynn Margulis (2022) e Anna Tsing (2019) por seu papel na história evolutiva da vida na Terra e pelos seus emaranhamentos ecológicos. Essas bactérias desencadearam por meio da fotossíntese o chamado “Grande Evento de Oxidação”, alterando a composição atmosférica da Terra e iniciando uma transição de uma atmosfera rica em CO₂ anterior ao Proterozoico para a atmosfera rica em oxigênio que é a base da vida multicelular. Presentes até hoje em nossos ecossistemas, as cianobactérias são testemunhas de outras configurações do planeta e a pedra basilar das dinâmicas ecológicas de um mundo baseado no oxigênio, fornecendo caminhos interessantes para o desenvolvimento de visualizações de “outras Terras”.

Os dados para esse filo da base do GBIF compreendem 779 mil ocorrências de cianobactérias, distribuídas entre 1.538 datasets diferentes. Em posse desses dados, utilizamos novamente o software de geoprocessamento QGIS para plotar os pontos e analisar suas informações associadas e de que maneira poderíamos explorá-las em uma visualização que cumprisse nossos três requisitos. Esse contato inicial com o conjunto de dados trouxe à tona problemas semelhantes aos da base de dados de espécies ameaçadas.

Figura 19: estudo de mapa plotando todos os pontos de ocorrência de cianobactérias da base do GBIF.

Novamente, a disparidade na quantidade de ocorrências entre regiões do hemisfério Norte, como Europe a América do Norte, e do Sul Global chama atenção. Mais do que nos remeter à outras umwelts particulares a outras formas de vida, os dados plotados aqui nos remetem primeiramente à desigualdades profundas na coleta, produção e publicação de dados. Essa leitura parece, mais uma vez, querer direcionar o trabalho para discussões de desigualdade de dados – uma descoberta relevante porém fora do escopo da presente pesquisa.

Diante disso, tivemos de corrigir a rota das explorações de dados e abandonar os conjuntos de dados geolocalizados selecionados que, para diversas espécies e filtros, apresentam indisponibilidades parciais ou regionais que comprometem a leitura da metáfora que queremos empregar. Buscamos, entretanto, continuar a explorar o conceito de umwelt a partir daqui.

Partimos, então, para a exploração dos dois outros conjuntos de dados de nossa seleção: o Living Planet Index e os dados da NASA GISTEMP. Mantido pela Zoological Society of London e a WWF, o Living Planet Index (“Índice de Planeta Vivo”, em tradução livre) é uma iniciativa de coleta, distribuição e processamento de dados que reúne e organiza dados de contagens de populações de indivíduos de diferentes espécies de vertebrados ao longo do tempo. Composto por dezenas de milhares de estudos que analisam populações em diferentes partes do mundo, esse dataset potencialmente nos providenciaria uma maior diversidade de cobertura geográfica, sem a necessidade de geolocalizar os dados, nos permitindo uma camada de abstração que poderíamos empregar em uma metáfora visual.

Consideravelmente reduzido em comparação com os outros datasets que exploramos até aqui, o LPI é capaz de ser baixado e explorado completamente em máquina local. Assim, preenchemos um cadastro do mantenedor dos dados, e realizamos o download do conjunto completo de dados. Com ele em mãos, iniciamos uma etapa de exploração das possibilidades de visualização.

Influenciados pela leitura de autores como Bruno Latour e o jornalista James Bridle, nos deparamos com uma sincronicidade no texto de ambos que despertou uma nova possível metáfora visual:

“A lente de que precisamos agora não é de um microscópio, e sim de um macroscópio: um equipamento que nos permita enxergar numa escala muito mais vasta – no tempo e no espaço – do que a usual.” (Bridle, 2023, pg. 180)
“Assim que abandonamos as fronteiras entre o exterior e o interior de um agente, seguindo essas ondas de ação, começamos a modificar a escala dos fenômenos considerados.” (Latour, 2020, pg. 171)

Ambos os autores parecem tratar da capacidade de navegar entre diferentes escalas, inclusive na forma de um microscópio de coisas grandes demais. A partir dessa ideia, decidimos testar a possibilidade de representar as contagens de população de espécies na forma de placas de petri, formas circulares que contêm dentro de si uma cultura de micro-organismos que se movimenta por agência própria.

Escrevemos, então, um script em R, para visualizar as contagens de populações como pontos distribuídos aleatoriamente dentro de um círculo. Ao animarmos esses dados para exibir uma nova placa de petri para cada ano, poderíamos simular a sensação de observar uma queda de biodiversidade como uma cultura de microorganismos.

Figura 20: GIF animado com um plot inicial da visualização de pontos aleatórios distribuídos em um círculo.

Como forma de integrar o elemento humano e não-humano, incluímos também os dados de temperatura da superfície terrestre – um dado profundamente marcado pelo impacto humano sobre o planeta. Ainda partindo da associação com uma escala de cor térmica, plotamos os dados de temperatura desse dataset para cada ano, com a mesma paleta de cores usada no ciclo anterior. Incluímos, então, uma camada sobre essa animação de uma cor de fundo esmaecida, determinada pelo dado de temperatura terrestre, que nos permitisse visualizar se há alguma relação entre a variação na quantidade de pontos de população da espécie e da cor de fundo, ou seja, do aquecimento da superfície terrestre no mesmo período.

Figura 21: frame da animação do protótipo incluindo dados de temperatura expressos pela tonalidade do fundo.

Animando todas as partes, temos o primeiro protótipo [12] de uma ideia que poderia ser levada adiante. Essa visualização nos permite explorar os sentidos possíveis na metáfora de placas de petri: a ideia de que algo muito grande possa ser visualizado em igual medida como algo muito pequeno, o que responde aos nossos requisitos.

[12]: Disponível em <https://youtu.be/yzqqSI2Vs3Q>

Todos os datasets e scripts em R usados para gerar as visualizações estão disponíveis em repositório GitHub[13].

Com essa iteração da prova de conceito finalizada, refletimos sobre sua adequação aos nossos requisitos e vislumbramos as potencialidades futuras da metáfora e da codificação de visualização empregadas. Dentre nossos três requisitos (representar a crise climática com dados relativos a humanos e não-humanos; utilizando dados da crise climática como contexto para outros dados; e representar escalas temporais ou espaciais extensas), aquele melhor atendido é o que diz respeito aos dados como contexto para outros dados, na medida em que utilizamos os dados de temperatura da NASA GISTEMP como um contexto para os dados de contagem de espécies do Living Planet Index.

Se entendemos os dados de aquecimento como um resultado da ação humana sobre o planeta e, consequentemente, um dado com uma forte marca humana, poderíamos considerar esta iteração como uma visualização de dados humanos e não-humanos, porém, essa é uma associação tênue que pode ser melhor explicitada na iteração seguinte. Já em termos de escalas temporais ou espaciais extensas, tratamos aqui de dados de contagens de espécies inteiras que se espalham ao redor do globo em diversas populações (ou seja, que ocupam escalas espaciais muito extensas) e que, por meio da metáfora da placa de petri são deslocadas para um olhar microscópico, promovendo uma distorção das escalas espaciais. Nosso conjunto de dados de temperatura cobre um período superior à longevidade humana, entretanto são poucas as espécies cujos esforços de contagem de população igualmente ultrapassam a longevidade média humana.

Enxergamos, em síntese, a possibilidade de endereçar diretamente esses pontos por meio das decisões de design e de dados empregadas na iteração futura e, com isso, consideramos que tipo de experiência essa visualização pode suscitar em seu espectador e, a partir dos preceitos da visceralização de dados, refletimos sobre como provocar determinado estado emocional que reforce a comunicação dos dados. Estas são nossas preocupações para a iteração seguinte, em que pretendemos aprofundar e finalizar esta visualização em um projeto pronto para publicação. Este é o trabalho descrito no capítulo seguinte.

5.3. Ciclo #3: Macromicroscópio

Para orientar o desenvolvimento do ciclo final de design, convém revisitar os três requisitos iniciais de nosso projeto e o percurso de design até aqui:

  1. Representar a crise climática utilizando dados relativos a humanos e não-humanos (a partir de questionamento baseado nas ideia de “agregado multiespécies” de Anna Tsing);
  1. Representar dados da crise climática como contexto para outros dados em uma cadeia de associações (a partir de questionamento baseado na ideia de Arjun Appadurai de design como contexto para outros objetos de design);
  1. Representar a crise climática em escalas temporais ou espaciais extensas, abrangendo períodos além da longevidade humana (a partir do questionamento baseado nas propriedades de não-localidade e multidimensionalidade dos hiperobjetos como definidos por Timothy Morton).

Partindo de uma visualização abstrata organizada em formas concêntricas animadas (ciclo #1), passamos para a exploração da ideia de visualizar dados geolocalizados de biodiversidade que denotassem a metáfora de “outras terras” sobrepostas à nossa compreensão e cartografia do planeta Terra (ciclo #2). Diante dos obstáculos computacionais e de disponibilidade de dados dessa abordagem, reavaliamos o uso de dados geolocalizados e encontramos a possibilidade de representar dados de biodiversidade como uma metáfora para a vida microscópica.

Como, então, podemos aprofundar essa metáfora de maneira a melhor cumprir os requisitos e despertar o efeito reflexivo alcançado em visceralizações de dados como aquelas tratadas por D’Ignazio e Klein (2023)?

A inclusão de dados de aquecimento da superfície terrestre, traz à mente, como pano de fundo, a ideia da intervenção humana, na medida em que a variação na temperatura exibida no protótipo da visualização é tamanha que sua associação com os efeitos da ação humana é inevitável. Gostaríamos, porém, de ressaltar de maneira mais explícita essa interação entre humanos e não-humanos (requisito #1).

A representação simultânea de diferentes conjuntos de dados não-relacionados nos remete à ideia de dados representados como contexto para outros dados (requisito #2). Porém, entendemos também que isso pode não ser suficientemente explícito para o espectador e precisa ser aprofundado.

Considerando o percurso de pesquisa até aqui e os requisitos de nosso projeto, entendemos que a metáfora das placas de Petri inerentemente suscitava uma dilatação de escalas espaciais (requisito #3) – utilizando uma representação associada àquilo que é minúsculo para representar aquilo que é, alternativamente, grande demais para ser percebido de uma só vez, como populações inteiras de seres vivos. Gostaríamos, entretanto, de provocar, também, uma dilatação de escalas temporais.

Nossa primeira etapa diante desse cenário foi refletir sobre que tipo de experiência esta visualização poderia suscitar para um espectador médio e, paralelamente, quais tecnologias seriam mais apropriadas para implementá-la. Assim, iniciou-se uma fase de ideação sobre os possíveis desdobramentos dessa metáfora em um produto finalizado.

Para endereçar a possibilidade de suscitar uma dilatação temporal no espectador, nos inspiramos em elementos do projeto artístico “A Gradual Difference In Value Unbeknownst & Seemingly Meaningless[14], do artista digital americano Mitchell Davis. Este trabalho artístico experimental consiste em um vídeo de 10 horas de duração em que um gradiente de cores lentamente atravessa a tela da direita para a esquerda acompanhada de uma trilha de música ambient. Devido à longa duração do vídeo, a lentidão da mudança das cores em tela é exagerada, levando o espectador a perder o ponto de referência e ser incapaz de perceber quando uma certa cor já deixou a tela em favor de outra.

Consideramos que poderíamos aplicar a mesma ideia para as cores de fundo de nossa visualização se estendêssemos exageradamente a duração da passagem temporal, de maneira que o espectador não apenas não fosse capaz de perceber quando a temperatura da superfície já esquentou (ou, em outras palavras, quando deixamos os tons azuis do começo da animação e adentramos os vermelhos do aquecimento), mas também pudesse imergir no movimento dos pontos que representam a população de cada espécie. Seria necessário, para alcançar este efeito, que o movimento dos pontos não fosse duro como no protótipo do ciclo anterior, mas sim fluído e randômico, para permitir a imersão do espectador. Dessa maneira, o projeto seria apropriado para uma instalação artística em galeria, por exemplo.

Tendo alcançado a metáfora da placa de Petri e tendo em mãos os dados para milhares de espécies contidas no Living Planet Index, o ponto de partida lógico foi considerar a possibilidade de proporcionar uma experiência completamente interativa em que o usuário seria capaz de rolar o mouse e navegar por milhares de pequenas placas de Petri geradas em tempo real no navegador e dispostas em uma grade de pequenos múltiplos. Iniciamos com sketches de possíveis layouts dessa experiência, como esse:

Figura 22: sketch de layout contendo pequenos múltiplos de placas de Petri dispostas em uma grade de 5x3.

A partir dessa fase inicial de sketches refletimos sobre que tipo de interações por parte do usuário poderiam ser incluídas no projeto de maneira informativa, ou seja, acrescentando significativamente à experiência e a novas conclusões por parte do espectador. Inspirados pelo projeto “Plastic Air” [15], de Giorgia Lupi, Talia Cotton e Phil Cox – que faz uso de um website interativo e dinâmico parar explorar a metáfora de uma “lente” que permite ao usuário ver os microplásticos associados à diferentes decisões de consumo – desenhamos alguns mockups de telas para essa visualização.

Figura 23: mockup de tela para a aplicação da visualização. Interações possíveis estão marcadas em botões à esquerda.

Dentre as possíveis interações consideradas, levantamos a opção de ativar e desativar as legendas que trazem os nomes comuns, nomes científicos e contagem anual de indivíduos da espécie; a opção de determinar a duração total da animação; e a opção de omitir algumas das classes de seres vivos constantes do conjunto de dados, permitindo a análise específica de uma ou outra classe.

Refletimos, porém, que essas opções potencialmente poderiam enfraquecer a experiência do usuário: se pretendemos uma experiência contemplativa de longa duração, a opção de ativar e desativar certos aspectos da visualização pode tornar o espectador impaciente, incentivando-o ao clique e ao movimento quando o efeito que desejamos é muito mais inerte. Além disso, nos preocupamos com a possibilidade de ter problemas de desempenho, considerando que teríamos de renderizar simultaneamente no navegador milhares de pontos em movimento.

Por esses motivos e pelo entendimento de que nenhuma dessas interações era significativa o suficiente para justificar apresentar este projeto como uma peça interativa, decidimos descartar uma experiência interativa e tratar este projeto como um vídeo. Assim, estaríamos mais próximos da experiência passiva e contemplativa que pretendemos para o espectador e teríamos maior controle sobre movimentos de câmera e sobre a sequência dos acontecimentos em tela, alcançando uma experiência mais cinematográfica.

Com essa definição, concluímos a fase inicial de ideação com reflexões sobre o nome deste projeto. A partir da leitura de James Bridle (2023) relatada na seção anterior, encontramos um nome para o projeto resultante da junção das palavras “microscópio” e “macroscópio”: o Macromicroscópio. Escolhemos este nome por entender que ele é capaz de denotar de forma sucinta a intenção do projeto de distorcer escalas e fornecer um conjunto de associações anteriores que potencialmente podem ajudar na leitura e compreensão da visualização pela ótica dos microscópios e outros aparelhos ligados à visão.

Tendo definido este nome, ensaiamos alguns sketches de um logotipo que explorasse a ideia de enxergar por diferentes escalas por meio dos círculos da tipografia – e que nos ajudaria a desdobrar o projeto em outras aplicações e usos e suscitar novas ideias.

Figura 24: sketches de marca para o Macromicroscópio.

Uma vez definidos o nome e a experiência planejada, partimos para a fase de análise de dados. Como descrito no ciclo anterior, obtivemos os dados do Living Planet Index e da Nasa/GISSTEMP e realizamos algumas análises na linguagem R para determinar quais espécies representar na visualização. As seguintes etapas estão amplamente documentadas no código desta análise [16].

Já que ambos os datasets possuem um aspecto temporal, o primeiro passo foi filtrar o conjunto de dados de anomalias de temperatura na superfície terrestre (NASA/GISSTEMP) para que o período temporal de ambos os datasets coincidisse. Com isso, o conjunto de dados que se iniciava em 1880 foi reduzido para uma data de início de 1950 e de fim de 2022. Assim, poderíamos sobrepor as placas de Petri em toda a duração da visualização.

Ao analisar o dataset LPI, constatamos que os estudos em que as medições de população de espécies foram realizadas possuem ampla variação em suas datas de inicio, fim e em suas periodicidades. Partimos, então, para uma análise dos períodos de realização dos estudos. Acrescentamos à cada entrada no dataset uma nova coluna contendo o valor de fim subtraído do valor de início do estudo, resultando no total de anos de duração. Ranqueamos os dados de maior para menor e selecionamos as espécies com maior período representado.

Constatamos, então, que a maior parte dessas populações foram estudadas em território americano. Identificamos, então, a necessidade de realizar algumas checagens de diversidade por diferentes critérios para selecionar uma amostra de espécies a visualizar. Realizamos então, contagens similares às do período de ocorrência dos estudos para selecionar, dentre as espécies com estudos mais longevos, uma amostra representativa de espécies de diferentes partes do mundo, de diferentes classes de animais (de maneira a não privilegiar apenas mamíferos, por exemplo) e com estudos de diferentes métodos de coleta. Este último critério tornaria-se importante na medida em que seria inviável comparar espécies com apenas o mesmo método de coleta já que diferentes formas de vida requerem diferentes formas de medir suas populações.

Com isso, selecionamos uma amostra de 15 espécies que apresentava considerável diversidade nos critérios analisados. Plotamos alguns gráficos exploratórios para observar as contagens de espécies e longevidades de seus estudos:

Figura 25: gráfico de pontos mostrando a quantidade de indivíduos das 15 espécies selecionadas.
Figura 26: gráfico de tiles mostrando a longevidade dos estudos das 15 espécies selecionadas.

Em seguida, realizamos uma limpeza dos dados. Usamos o método LOCF (acrônimo de “last observation carried forward”, ou “última observação carregada adiante”) para preencher as interrupções NA nos dados usando a observação do ano anterior, de maneira a evitar interrupções completas que distraíssem da experiência, e usamos uma normalização de dados “min-max” para definir a quantidade máxima de pontos que qualquer espécie exibiria como cinco mil, sendo este valor correspondente ao máximo de indivíduos registrados em qualquer ano na série. Esses valores também foram arredondados como valores inteiros para melhor leitura.

Dentre as espécies selecionadas, consideramos a possibilidade de incluir a espécie homo sapiens como forma de atender ao nosso primeiro requisito (representar a crise climática com dados relativos a humanos e não-humanos). Entretanto, constatamos que a espécie humana não consta da base de dados do Living Planet Index, que agrega apenas dados de espécies não-humanas. Seria possível buscar estes dados de modelagens de população humana ano-a-ano no mesmo período dos dados do LPI selecionados, porém avaliamos que a busca e inclusão de uma nova base de dados seria por demais onerosa ao andamento da pesquisa e prosseguimos sem esse dado.

Figura 27: captura de tela de janela do software After Effects. Para cada espécie foi gerada uma composição própria, com os keyframes da linha do tempo posicionados automaticamente.

Os dados limpos e selecionados foram então convertidos para o formato JSON para leitura pelo software de animação Adobe After Effects. Com apoio do desenvolvedor Ariel Tonglet, que escreveu scripts no formato JSX que permitiram que os dados de população, matiz de temperatura e valores de textos fossem automaticamente lidos e posicionados como keyframes em uma linha do tempo na animação, pudemos unir todos os elementos pretendidos no projeto.

Com todas as informações dispostas no software, renderizamos algumas partes do vídeos para avaliar a sensação da experiência antes de nos comprometermos com uma renderização completa do vídeo de uma hora. Estes trechos foram editados em um trailer da experiência. [17]

[17]: Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=1Z_KGQ0NX6M>

Nessa etapa do projeto encontramos um obstáculo crucial que nos levaria a alterar a rota de desenvolvimento. Com todos os elementos prontos para a renderização final do vídeo com uma hora de duração, constatamos que as capacidades de processamento local em máquina tornavam virtualmente impossível renderizar o vídeo completo: o tempo estimado de renderização, em qualidade baixa e com baixa taxa de dados, facilmente ultrapassava as 72 horas de processamento.

Percebemos então que esse obstáculo limitaria consideravelmente a nossa capacidade de fazer uma pré-visualização da experiência e ajustá-la futuramente. Com isso, passamos simultaneamente a buscar formas de acelerar a renderização do vídeo e outras tecnologias em que pudéssemos implementar o projeto.

Encontramos, então, o software online gratuito de programação visual Cables.gl [18] e migramos o desenvolvimento do projeto para ele. Baseado no WebGL, uma API de renderização de elementos gráficos no navegador, este software nos permitiria renderizar os elementos visuais nativamente no navegador e realizar alterações ao vivo por meio de sua interface de programação visual.

[18]: Disponível em <cables.gl>
Figura 28: captura de tela de janela do software Cables.gl. O painel à esquerda exibe os operadores lógicos usados para a programação visual e o painel da direita traz uma pré-visualização do conteúdo.

Com apoio do desenvolvedor Eduardo Maluf de Campos, que construiu a base funcional do projeto em um arquivo de Cables, migramos todo o projeto para a plataforma, obtendo grande ganho no desempenho da renderização dos pontos e possibilitando edições ao vivo por meio da interface gráfica. Assim, fomos capazes de realizar edições na aparência e na duração da animação para alcançar a experiência desejada.

Como forma de obter maior alcance com a presente pesquisa, essa iteração final do projeto foi inscrita em chamada aberta de projetos artísticos e aprovada em revisão por pares para exibição durante exposição realizada dos dias 22 a 24 de novembro de 2023 no espaço expositivo Inspace, da Universidade de Edimburgo, na Escócia, como parte da programação da conferência interdisciplinar Information+ [19].

Para a ocasião da exposição e da finalização dessa disssertação, publicamos o projeto em um website próprio [20] dedicado, contendo também textos gerais de apresentação e hyperlinks para o conteúdo completo desta dissertação. Esse é um esforço de documentação do projeto e de disponibilização das reflexões desta pesquisa para um público amplo.

[19]: Disponível em <informationplusconference.com/2023>

[20]: Disponível em <macromicroscope.com>

Diante da versão final do protótipo, refletimos então sobre o atendimento aos três requisitos de nosso protótipo (representar a crise climática com dados relativos a humanos e não-humanos; utilizando dados da crise climática como contexto para outros dados; e representar escalas temporais ou espaciais extensas). Consideramos que a iteração final do projeto atende aos dois últimos requisitos ao utilizar os dados de temperatura da NASA GISTEMP como contexto para os dados de contagens de população do LPI (requisito #2) e ao dilatar as escalas espaciais e temporais representando populações inteiras de espécies de animais por meio da metáfora de pontos microscópicos e estendendo a duração da visualização de forma a obter um estado contemplativo por parte do espectador (requisito #3). Quanto ao primeiro requisito, consideramos que o avanço em relação à iteração anterior é parcial por não incluirmos dados específicos a humanos na visualização. Pode-se argumentar, entretanto, que os dados de aquecimento carregam uma forte marca antropogênica – na medida em que são indissociáveis da ação humana – e que, portanto, englobam um aspecto de interface entre dados de humanos e não-humanos. Essa interpretação nos é razoável, mas consideramos que existem ainda outros caminhos futuros para que esse aspecto seja mais literalmente representado na visualização.

6. Conclusão

Esta pesquisa, ao empregar diversos métodos, buscou levantar o estado da arte da discussão sobre o Antropoceno e as visualizações climáticas, identificar e classificar as estratégias de visualização empregadas para tratar da crise climática e atestar para a capacidade da abordagem de Research Through Design de promover reflexões teóricas e produzir protótipos de design iteráveis por outros designers, praticantes e estudiosos.

Entendemos que a revisão bibliográfica conduzida aqui trouxe um retrato compreensivo das relações entre visualização de dados e ciência climática, ao passo que a classificação de projetos de visualização climática forneceu pontos de partida para outros pesquisadores empreenderem análise semelhante e contribuiu com um eixo de análise potencial para a adaptação do conceito de hiperobjeto de Morton para o campo da visualização de dados. Ao mesmo tempo, consideramos que a documentação dos ciclos de design e os registros de código aberto disponibilizados publicamente servem como norte para algumas das muitas possíveis abordagens para o problema capcioso da visualização de dados da crise climática.

Devido à natureza do objeto, não há uma única abordagem para o problema aqui endereçado. A visualização produzida ao fim dos ciclos de design atendeu em alguma medida aos requisitos que levantamos ao longo do trabalho, servindo, concomitantemente, como fio condutor das reflexões e das contribuições advindas da pesquisa. Essa visualização pode, ainda, ser aprofundada para melhor atender aos requisitos aqui levantados e para abordar a problemática da visualização dos dados da crise climática por outros caminhos. O mesmo é válido para as contribuições das etapas anteriores de pesquisa: outros projetos podem ser incluídos na etapa de análise de projetos e outras adaptações das ideias de Morton para a visualização de dados são possíveis. Consideramos, entretanto, que as contribuições de revisão de literatura, de exploração de novas interfaces entre os conhecimentos específicos das humanidades e do design e o material acumulado servem como rico ponto de partida para projetos futuros.

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Apêndices